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Foto feita pela Carol durante a lua de mel.
Foto feita pela Carol durante a lua de mel.

Expressão

Duas entrevistas dispararam caixas de fogos de artifício na minha cabeça. Figurativamente.

Acompanho o trabalho do guitarrista Cory Wong há pouco tempo. Conheci ouvindo seu disco “Motivational Music for the Syncopated Soul“, que acabou sendo trilha sonora de grande parte da minha viagem para a WorldSkills Kazan, em 2019. Acho bem interessante a sua capacidade criativa e as empreitadas para além da música, algo que parece comum nos artistas de hoje. Cory faz um programa de variedades em seu canal no youtube, tem um podcast e é um bom entrevistador.

E duas entrevistas que ouvi no Wong Notes, o seu podcast, ajudaram a abrir a caixa de ideias e reflexões sobre aspectos pessoais e profissionais, tipo a quebra do muro do bloqueio criativo e da autocensura. Falo aqui das conversas com Victor Wooten e Steve Jordan, duas referências para esse que vos escreve. Um passeio sobre música, obviamente, mas também sobre identidade, aprendizagem, colaboração e liderança.

Dá para refletir sobre todos esses aspectos. Resolvi começar com a questão da identidade, ou como mostrá-la por meio da arte. Faz ligação direta com a minha realidade, pensando nas duas artes onde mais me expresso, fotografia e música, e transborda também para a parte profissional. Wooten e Jordan dizem que muitas vezes, damos mais peso à ideia de aprender um instrumento e emular alguém, quando deveríamos aprender a nos expressar.

Liguei os pontos e percebi que me expresso melhor fotografando do que tocando bateria, mesmo com similaridades nos pontos fortes e fracos. Nos pontos fortes, parto do mesmo lugar, a curiosidade. Me interessei pelo meio, estudo, pratico, troco experiências com muita gente e coleto a maior quantidade de referências possíveis. Nesse processo, vou criando repertório e selecionando aquilo que reflete a minha linguagem, quem eu sou e o que quero expressar. E fico nesse espírito quando estou atrás da câmera. Não fotografo pensando nas coisas que o David Burnett, o Pete Souza ou o Carlos Hauck fariam no lugar. Na imensa maioria das vezes estou em um papel passivo, registro pessoas caminhando, um panorama, tento achar simetrias. Observo.

Tocando bateria, fico confortável interagindo com as pessoas no estúdio/palco, criando espaço, dando suporte e fazendo as pessoas dançarem. Porém ainda há o desconforto em determinados momentos, especialmente quando estou tocando músicas pela primeira vez ou na hora dos solos. Não raro, penso que preciso tocar feito a gravação ou que “seria legal fazer aquilo que o Steve Jordan, o Carter Beauford ou o Arthur Rezende fazem”. Muito mais em um sentido de caminho seguro do que “pegar essas influências e fazer o meu som”. Já foi muito pior e ainda tem muito espaço para estar na categoria “aceitável”.

Tem a ver com o medo de “aparecer demais”, “incomodar as outras pessoas”, “não soar interessante”. Esse conjunto de sentimentos não está restrito à música. Isso aparece também na fotografia, porque sou tímido para dirigir pessoas. Recentemente, também fiz essa conexão com a vida profissional, partindo de uma observação feita por uma colega de trabalho que acompanhava uma facilitação que eu conduzia. “Felipe, na hora de pedir silêncio, pode falar alto”. Eu comentei que ainda estava tímido, por isso falava “Pessoal!” e esperava que as pessoas me olhassem. “Não, bobagem. Pode se impor um pouquinho mais e tá tudo certo“.

Para esse último caso, apliquei uma lição que aprendi na música e na fotografia: experimentação e pequenos passos. No momento seguinte, pedi a atenção das pessoas presentes de uma maneira cortês e mais incisiva. Deu certo. Não reinventei a roda ou copiei alguém, só perdi a timidez.

Esse círculo virtuoso: “curiosidade, experimentação, pequenos passos, exposição, mostrar o trabalho, repetir” pode andar junto com “ser o mesmo para se reinventar“. Não dá para fotografar e tocar bateria emulando outra pessoa. Também não dá para escrever e falar sobre educação utilizando outras vozes. É preciso continuar colhendo as referências e inspirações, fazer as conexões improváveis (1 + 1 = 3) e principalmente, continuar vencendo o medo de colocar o trabalho no mundo.

Sigo descobrindo os caminhos. 🙂

365

(O poder de uma mensagem linda no whatsapp)

 

Ano passado, na hora em que escrevo esse post, eu acho que a cirurgia já se encaminhava pra parte final. Eu estava na paz, apagado de propofol. Daqui umas horas, papai e mamãe entram no CTI e eu tento trocar ideia, mas ainda estava doidão de anestesia.

Hoje foi um dia tão corrido, e os outros passados também foram dias corridos, que nem achei tempo para escrever sobre esse ano que passou.

(O “esforço” de “Achar tempo” pra uma coisa boa faz parte do que estou largando pra trás)

Eu passei o dia lembrando do significado dos 364 anteriores e, ao mesmo tempo, pensando no que escrever, porque acho que falei tanto sobre isso que eu seria repetitivo.

Mas, essa frase e essa mensagem… elas me foram o gatilho para escrever e lembrar das boas coisas: o amor que emana, o orgulho da minha história, essa rede de suporte que me apoiou e se apoiou. Coisas que, de certa forma, me fizeram acordar para o que eu não prestava atenção.

E de novo, eu achei que ia morrer. E morreria puto – aqui jaz a contragosto – porque seria triste pra caralho pra vocês, que chorariam e tal.

O fato é que a vontade de viver, construir e criar é tamanha, que o 3 de maio será só mais uma data. Sempre será de renascimento, do reforço dessa rede de amor e que serviu também para celebrar a vida e as conquistas: um casamento e a construção de uma vida com uma mulher sensacional, ter o pai, a mãe e a irmã que eu tenho, a família e os amigos, os planos para o futuro (que nunca será super distante), continuar o processo de ficar em paz comigo e por os sentimentos pra fora!

Seguimos avante!

Vista da 5th Street a partir do hotel Hilton, em Austin.
Vista da 5th Street a partir do hotel Hilton, em Austin.

Austin, ano 5

(vivo, feliz e bem)
Já em Austin para participar pela quinta vez do SXSW EDU e do SXSW. Além da óbvia ansiedade que bateu pela volta aos eventos presenciais, estou vindo também com novos e importantes olhares. Antes, uma rápida observação sobre a cidade: como ela está mudada, com muitos prédios novos e outros em construção, se comparar com a minha última vinda, em 2019. Escrevi no Chicken or Pasta sobre o que esperar e o que fazer durante o EDU.
Sobre o festival e a conferência, estou interessado na maior conexão entre os temas do EDU e as razões de existir e os desafios no Centro Lemann, especialmente a equidade e formação de pessoas. Coloquei muitas sessões na minha agenda sobre essas temáticas.
No SXSW, o ponto alto será a celebração da vida e a oportunidade de contar e ouvir histórias sobre redes de apoio familiares. Eu e a Carol temos um meet up na programação, baseado na minha história do ano passado. Eu conto o lado do paciente, a Carol conta o lado da família e esperamos ouvir e aprender com outras histórias das pessoas presentes.
Como sempre, vou compartilhar os aprendizados do dia fazendo lives no youtube, começando por hoje.
Vamos juntos?

Ainda bem que estou aqui

Todo ano, sempre que termino esse texto-retrospectiva, penso que deveria começá-lo em janeiro do ano seguinte, de modo que possa me referenciar em algo mais estruturado e menos baseado nas lembranças ou parcas referências. Resolvi pôr isso em prática esse ano, fazendo anotações, seja no editor de texto, mandando mensagens no whatsapp para mim mesmo ou alimentando minhas playlists mensais. “O texto final de 2021, esse vai ficar joia“, pensava comigo mesmo.

Fiz isso por dois meses e meio, entre janeiro e o meio de março. Afinal, março chegou e junto com ele, o meu grande acontecimento de 2021: o diagnóstico e cirurgia para a retirada do tumor que morava na minha cabeça há uns bons anos. Essas anotações e reflexões não estão aqui nesse texto. De uma forma ou outra, elas aparecem em tudo que escrevi sobre esse processo.

Aparecem também nos outros textos de final de ano, mas de uma maneira quase ingênua, que é identificar o que incomoda e não tomar ação. Em 2021 foi diferente, porque junto veio o alerta da finitude. Por um breve momento após o diagnóstico, pensei que estava próximo da linha de chegada da vida. “E se eu não estiver aqui no final do ano?

Estava redondamente enganado. Estou aqui no final de ano, muito bem e saudável, com uma vontade louca de colocar planos pra frente. Olhando pra fora, sou muito agradecido e me sinto sortudo por ter recebido tantos carinhos, orações, desejos de recuperação, apoios logísticos e financeiros e um tratamento médico e clínico de primeira linha. Olhando pra dentro, passar por isso tudo e (ainda) pensar na finitude ajudam no meu processo de construção e para colocar mais ação nas coisas, bem na linha do que escrevi aqui.

Junto com os outros acontecimentos, 2021 estará registrado um ano ímpar, com a intenção figurada da palavra. Ler as notícias do Brasil nos exigiu paciência e maturidade, junto com uma vontade louca de fugir. Vi a partida da vovó Rachel e do Miguel Thompson. Duas pessoas que, em diferentes aspectos, sinto muita falta e cujos legados serão sempre respeitados. Encerro também um capítulo profissional, me despedindo da 42formas, empresa que ajudei a criar e minha casa por quase oito anos.

Ao mesmo tempo, 2021 serviu para muita coisa boa. De cara, pude amar e ser amado, amadureci, pude celebrar esse carinho que recebi de amigos e familiares. De maneira tímida, pus minha loja de fotos no ar, trabalhei razoavelmente bem e saio com a sensação que 2022 será uma colheita de coisas que seguirão por um longo tempo: uma festa para celebrar uma história de amor, um novo trabalho e mais tantas possibilidades de exploração, descobrimento e coragem. Começo e celebro tudo isso não por medo da finitude, e sim porque não faz sentido ficar esperando pelas coisas boas.

Pra fechar, no finalzinho do ano passado, fiquei muito tocado com o filme “Soul” e compartilhei esse trecho da crítica feita pelo Indiewire:

“Como algumas das melhores composições de jazz, Soul usa uma estrutura tradicional para desviar em muitas direções inesperadas, de modo que mesmo o ponto final inevitável pareça certo”.

O “ponto final” seria terminar o ano de uma maneira melhor do que comecei. E foi assim, mesmo com os desvios para direções inesperadas.

Feliz ano novo!

180 dias

Há seis meses e nesse mesmo horário, é bem provável que minha primeira cirurgia estivesse começando. Agora, escrevo para tentar organizar as reflexões sobre os desafios e a grande jornada de descobertas. Essa tentativa de organização pode ser resumida com esse trecho de uma mensagem que mamãe recebeu de uma amiga, depois dela ter lido os primeiros relatos:

“Da gratidão que ele expressa; da vontade de mudar, sendo o mesmo; da tentação de voltar ao mesmo lugar, sabendo que já não está mais nele.”

Eu não me canso de agradecer pelo apoio que tive de família, das pessoas amigas e conhecidas, de gente que nem conheço e está na rede de quem eu conheço. Nesse meio-tempo, também li e conheci pessoas com casos parecidos. Trocando experiências, dá pra perceber que os medos e ansiedades também se assemelham. E de novo, não sentir-se sozinho é naturalmente acolhedor.

Porém, existe um desafio extra na vontade de mudar, sendo o mesmo e a tentação de voltar ao mesmo lugar, sabendo que já não estou mais nele.

É óbvio que a cirurgia e os procedimentos resolveram o maior problema e precisarei acompanhá-lo pelo resto da vida. Mas existem outros problemas, que já estavam comigo bem antes de descobrir que o tumor na cabeça.

Basicamente, qual a vida quero viver? O quão perto estou dela? Quais são as barreiras que crio para mim mesmo nesse sentido? Esses questionamentos vivem comigo há bastante tempo e quero me afastar deles. Não quero estar mais nesse lugar. Quero continuar caminhando, construindo e, não raro, tenho imensa dificuldade em enxergar o progresso que fiz.

Da mesma forma, fazer a sintonia fina entre “mudar” e “manter a minha essência”. Muitas vezes, ainda busco a necessidade de aprovação do meu “conselho privado” para minhas ações. só que isso é uma construção da minha cabeça, não uma anuência formal dessas pessoas. Elas só querem que eu seja feliz, tenha saúde e seja autônomo.

O resto é uma construção onde sou o único responsável. Mais ação e menos observação. Especialmente quando envolvem os comportamentos e bloqueios que me impedem de sair do lugar.

Afinal, precisei descobrir um tumor na cabeça para acender o alerta sobre a finitude da vida. Não quero, e nem preciso, perder mais tempo alimentando a autosabotagem e a falta de ação. E é isso que venho trabalhando, mudar o foco para construir o caminho que eu quero e que me deixe orgulhoso.

Ainda devagarinho, mas ganhando velocidade. Vamos que vamos.

Pensata do aniversário

Nota: Esse mundo digital e multiplataforma é meio traiçoeiro. São tantos espaços e tão pouco tempo, que muitas vezes esqueço que o lugar principal para postar conteúdos, pensatas e reflexões é esse aqui mesmo, o blog. Esse texto foi direto para o instagram em 13 de agosto de 2021. Postei aqui em novembro, mas coloquei a data retroativa. 😉

Três meses de diferença entre as fotos e o registro da semana dos 39 anos (e mais seis dias), das boas notícias dos exames de controle e uma brevíssima reflexão.

No dia 13 de maio, eu desejava, mas não sabia que estaria tão bem no dia 13 de agosto. Não me canso de falar que tudo é parte de uma grande jornada de descobertas, ressignificados e de uma rede de apoio que me deu suporte, se deu suporte e embarcou nessa junto.

Do lado de cá, bem ou mal, precisei dessa porrada pra abrir meus olhos pra fazer essa reflexão. Ainda não estou nem perto de onde quero estar. Mas estou no caminho.

Eu tenho muita sorte na vida.

Estação São Bento | Porto - Dez/2014
Estação São Bento | Porto - Dez/2014

Uma atualização recente

(ok, talvez nem tão recente assim. Esse conteúdo foi postado em algumas partes nas redes sociais. No meio de tantas delas, esqueço que o blog é o meu espaço oficial!)

A gente não conhece quem já passou por isso.” Esse foi um tópico recorrente nas centenas de conversas que tive no meio do caminho entre o diagnóstico e a minha cirurgia. A gente simplesmente não conhecia quem teve um tumor benigno na cabeça. Isso tinha diversas implicações: recomendação de cirurgião, tratamento, quais os caminhos seguir, etc e tal.

Uma vez que definimos o cirurgião e o hospital, começaram a surgir relatos encorajadores e isso foi bom para a minha moral e para a moral da família e amigos. Nas sincronicidades da vida, a Pilar Lacerda conheceu a história da Dani Louzada e o seu canal Terminal. A Dani tem um tumor benigno que, diferente do meu, é inoperável. E criou o canal no Youtube com o objetivo de ser um ponto de acolhimento e informação para pacientes e familiares. “Terminal” não como o fim, mas sim como os terminais de ônibus e trens, um local de passagem.

Passado os meus procedimentos, começamos a conversar, e eu pude conhecer mais sobre o trabalho. Do bate-papo, saiu o convite para a gravação de um vídeo contando a minha história. Gravei no meio de junho, antes dos resultados da biópsia, em um estado de ansiedade bem maior do que hoje. Contei um pouco do diagnóstico, o procedimento e como tocar a vida (coisa que ainda estou descobrindo).

Por mais espaços e iniciativas feito o Terminal. Obrigado pelo convite, Dani!

Tá, e qual foi o resultado da biópsia?

Os resultados da biópsia chegaram no final de junho e, casado com as consultas com os oncologistas, tive boas notícias. A biópsia mostrou que eu tenho um Astrocitoma de baixo grau e a recomendação médica é seguir a vida de uma maneira normal, fazendo acompanhamento por imagem de maneira constante, inicialmente a cada três meses.

Estou de volta às atividades profissionais e voltei também para São Paulo. Nessa semana, voltei a fazer crossfit, de maneira super leve, para colocar o corpo em movimento novamente. Ainda acostumando com o novo ritmo, com as coisas se assentando e impressionado com esse “quadro branco”, essa infinidade de possibilidades e recomeços que a vida proporciona.

Um dia de cada vez nunca foi tão real nessa vida.

Photo by Janine Robinson on Unsplash
Photo by Janine Robinson on Unsplash

Saber quem somos facilita as mudanças

Ontem, o Dudu Loureiro compartilhou no Linkedin uma matéria sobre o “Two Beats Ahead: What Musical Minds Teach Us About Innovation”, novo livro de Michael Hendrix e Panos Panay. Hendrix é sócio na IDEO, uma das maiores consultorias de design do mundo e professor na Berklee College of Music. Panay é Vice-Presidente de Estratégia na mesma Berklee.

Michael e Panos não são novos pra mim. Em 2017, acabei indo sem querer em um painel conduzido pelos dois no SXSW, onde falavam sobre as interseções entre música e design. O trabalho dos dois acabou me influenciando na construção do “Improviso para não músicos”, uma palestra que faço junto com o Diego Mancini sobre o que a música e o jazz podem nos ajudar para navegar e aprender em tempos complexos e que está no catálogo da 42formas.

A matéria compartilhada pelo Dudu traz cinco lições do “Two Beats”, onde os autores falam sobre como a mentalidade musical pode ensinar sobre inovação. Já me deu vontade de ler, o livro está na lista. Mas no meu momento atual, a lição 5 foi muito certeira.

Stay the same to reinvent yourself. (Seja o mesmo para se reinventar)

Esse trecho traz um pedaço da história da Nokia, do manejo da celulose até o trabalho com telecomunicações. E traz também os vários personagens do artista David Bowie. Independente de qual era, Bowie sempre foi Bowie. E em suas palavras: “Tirando o teatro, o figurino e a camada externa, sou um escritor”. Era isso. Durante 40 anos, Bowie pesquisava sobre o tema que ele ia escrever, e junto colocava suas percepções sobre solidão, isolamento, busca espiritual e uma forma de comunicar com as pessoas.

A frase final da matéria é muito poderosa: “A autoconsciência torna a mudança mais fácil. Conheça a sua verdade – e saiba que você tem a liberdade de mudar por causa dela.” Saber quem somos e o que nos move, nos dá a capacidade de reinvenção. Essa frase conversa muito comigo e resume bem a minha jornada nos últimos tempos. Já falei, mas repito, a ideia é mudar a chave do “tenho que provar alguma coisa pra alguém” e continuar na busca de mais gentileza e generosidade comigo mesmo e com a minha trajetória.

Depois que li essa matéria, comecei a pensar em um outro ponto, o que amarra toda essa história do lado de cá: acredito que a minha verdade, a essência das coisas que me movem, partem de uma mistura da criatividade com a curiosidade. Profissionalmente, da escola até a 42formas, passando por agências digitais e times de comunicação. Como hobby ou “profissão alternativa”, a fotografia, a bateria, a marcenaria, essa em menor escala. Como interesse, pesquisar sobre esportes, programas espaciais, cultura no geral.

Tem horas que é esquisito saber detalhes que fazem pouca diferença na vida das pessoas, por exemplo, como as fontes de nomes e números em camisas de futebol e carros de corrida são escolhidas. Umas tão lindas, outras tão feias.

Mas isso dá margem para fazer conexões inusitadas, pegar um conceito da música e levar pra fora dela, ver a composição de uma fotografia e colocar no trabalho. Perceber e entender a curiosidade e a criatividade como minhas verdades, deixa as coisas mais claras e brutalmente honestas, especialmente em um momento muito ruim nos espaços disponíveis para compartilhar nossas ideias, ou seja, as redes sociais. Somos convidados a desempenhar papeis totalmente padronizados, longe do que somos. Fotogênicos (e vendedores) no Instagram, inteligentes no Linkedin, etc e tal.

Ter que fazer esse papel cansa. E dá pouca margem para a mudar e experimentar coisas novas, baseadas nas premissas reais. Conseguir expressar a verdade em diferentes formas, feito o Bowie fazia, é desafiador e é um trabalho constante. Como dizia Miles Davis, “de vez em quando demoramos muito para soarmos feito nós mesmos”.

Tenho sentido esse desafio com uma camada extra, que é conseguir explorar essa nova fase da vida pós-cirurgia, olhando com carinho para o passado, mas mais aberto para criar novas possibilidades e colocar as ideias pra fora. Menos preocupado com algoritmos, menos preocupado em parecer ser quem não sou. Experimentar mais, porque experimentar é uma disciplina também.

Finalmente, continuar celebrando as conexões improváveis. Tenho certeza que essa matéria compartilhada pelo Dudu será útil no trabalho, acabou sendo útil pra minha vida também.

Rua Augusta | Lisboa - Dez/2014
Rua Augusta | Lisboa - Dez/2014

Como sempre, um dia de cada vez

(Esse post pode ser considerado cringe, porque remete às coisas de outrora. Nesse caso, a espera. A foto de Lisboa que ilustra é para lembrar do ponto infinito.)

Essa atualização demorou um pouco, peço perdão, mas seguimos.

Estamos tão acostumados com a velocidade das coisas hoje, que eventualmente esquecemos que é preciso esperar. E foi isso que fizemos enquanto a biópsia era feita em Botucatu. Enviamos as lâminas com fragmentos do tumor pra lá no começo de junho e dez dias depois, o resultado dos exames saíram ao longo de uma semana.

Vejam, não é coisa de 20 minutos. Não é um teste simples. É ciência demorada. Ainda bem.

A biópsia confirmou a hipótese do corpo médico envolvido desde o começo. Tenho um astrocitoma de baixo grau e a recomendação é fazer o acompanhamento por imagem e de maneira constante, inicialmente a cada três meses, deixando a quimioterapia e a radioterapia para um outro momento, se necessário for.

Enquanto isso, estou liberado para as atividades normais, inclusive o crossfit, porém de maneira moderada. Num retrato grande, do dia da cirurgia até hoje, o progresso é absurdamente visível. Memória, disposição, visual estão tão bons feito estiveram. Se colocarmos uma lente de aumento, acredito que ainda esteja passando pela fase de “trauma”, um pouco assustado e impressionado com esse “quadro branco”, essa infinidade de possibilidades e recomeços que a vida me proporcionou. Preciso sempre lembrar do que escrevi aqui da última vez, ser gentil e orgulhoso das coisas que fiz. De qualquer maneira, o mais importante é que sinto um alívio imenso em ter passado por essa fase da batalha.

Como sempre, um dia de cada vez.

Essa foto tem a ver com um projeto antigo que eu morria de medo de tirar do papel.
Essa foto tem a ver com um projeto antigo que eu morria de medo de tirar do papel.

Alguns pensamentos sobre o medo de voltar

Mais uma reflexão do que uma conclusão, mas que gostaria de compartilhar.

Dia 45 pós primeira cirurgia e a recuperação tem sido excelente. Tirando o enjôo da primeira semana, a disposição vai voltando aos parâmetros antigos, seja no sono, memória, disposição e afins. É algo absolutamente incrível, penso, porque parece que nem passei por uma cirurgia desse tamanho. E somado aos bons resultados até agora da biópsia, a perspectiva de voltar ao ritmo normal fica cada vez mais próxima.

Mas aí tem uma pegadinha. O que é voltar ao ritmo normal? É aquele que mencionei no segundo texto? Ou seja, determinar cobranças absurdas, não ser gentil comigo, achar que preciso provar algo para alguém, tendo como pano de fundo algo do tipo “nossa, me recuperei tão bem que será fácil voltar pra vida de antes, a vida normal“.

Não, Felipe, mil vezes não. Esse não é o pensamento e nem deveria ser. Mas ele tem morado na minha cabeça, e foi motivo de muita conversa e reflexão na última semana. Mas agora percebi que alguns dos sentimentos recorrentes não tem a ver com “stress pós-traumático”. Tem a ver com tentar encaixar a nova vida aos parâmetros antigos.

Isso acaba tendo reflexo nas coisas que tenho sentido: o alto grau de ansiedade, achar que a inteligência emocional havia regredido alguns anos e me achar um forasteiro nos círculos profissionais.

Tenho uma hipótese para o que está acontecendo. Aliás, tenho duas. A primeira delas é que vivo novos parâmetros para o que é uma vida normal. Novos combinados, hora de rever prioridades, especialmente porque ainda estou em recuperação. Isso significa que não posso cair na tentação de querer voltar ao que eu era, especialmente porque tive uma recuperação muito boa.

A gentileza e o carinho que tive comigo, que percebi durante o período antes da cirurgia e foram super importantes pra mim, precisam guiar o “novo normal”. Principalmente, tem que acabar com a segunda hipótese, que é ficar cego para as novas possibilidades que o novo normal me apresenta.

Isso significa conhecer lugares e estados desconhecidos e essa exploração pode ser desconfortável. Pra fugir dela, insisto, é tentador acelerar a volta e querer estar no estado de antes.

De novo, não. São outros tempos.