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A minha curiosidade é muito ampla e eu gostaria de ser muita coisa que não posso. Por isso, vou experimentando fragmentos de tudo”
A minha curiosidade é muito ampla e eu gostaria de ser muita coisa que não posso. Por isso, vou experimentando fragmentos de tudo”

Estou curioso sobre a curiosidade

A minha curiosidade é muito ampla e eu gostaria de ser muita coisa que não posso. Por isso, vou experimentando fragmentos de tudo”

 

“A minha curiosidade é muito ampla e eu gostaria de ser muita coisa que não posso. Por isso, vou experimentando fragmentos de tudo”.

Me derreti por essas aspas do Gilberto Gil. Essa declaração de amor para a curiosidade entrou na extensa lista de motivos para amar esse homem. Não me deveria causar espanto saber que um dos maiores artistas vivos é uma pessoa curiosa. Mas não é todo dia que vemos uma manifestação tão explícita de algo que é essencialmente humano e comum.

Muitas vezes, usamos a palavra “curioso” de forma pejorativa. Se alguém faz perguntas demais, ela é “curiosa”. Situações ou pessoas “não convencionais” também são “curiosas”. Precisamos reforçar o contrário, a curiosidade carrega uma certa nobreza. Tem a ver com questionar, descobrir, perguntar, explorar…

Vejam as crianças. Sendo pai, o trecho “vou experimentando fragmentos de tudo” ganha outra camada de importância. A experimentação está na rotina diária do Samuel. Ao mesmo tempo que fico alerta sobre os riscos, vibro cada vez que ele investiga alguma coisa e solta um “Ó!” quando faz uma descoberta.

Ao mesmo tempo, me sinto tentado a sempre falar “o que você está fazendo, menino?” quando vejo a curiosidade infantil ultrapassando limites, tipo ver seus pijamas dentro do cesto de lixo de fraldas, simplesmente porque ele descobriu como funciona o mecanismo de abrir e fechar a tampa e resolveu experimentar.

Olho pra ele e olho pra mim, porque eu também observava as coisas, fazia perguntas (muitas), abria equipamentos, bloqueava (sem querer!) o rádio do carro, quando era criança.

Tudo para entender como as coisas funcionam, como elas são feitas, porque são o que são. Como disse o baterista e produtor Questlove nessa entrevista, “quando converso com músicos, não me interessa o produto final. Quero saber como a música foi feita”.

A curiosidade, na minha visão, anda muito junto com o processo criativo, com método científico, com o pensamento crítico, com a investigação…

E vejam, não é só a arte que precisa de gente curiosa. O Fórum Econômico Mundial, na edição 2025 do Future of Jobs Report, traz a curiosidade como uma das habilidades mais relevantes nos dias atuais. E ela será uma das habilidades que mais irá crescer até 2030.

Em um mundo cada vez mais incerto, onde precisamos lidar com informações incompletas, cenários incertos e em ritmo acelerado, a agricultura, a tecnologia digital, cuidados com saúde, automação e muitas outras indústrias precisarão de gente curiosa.

Enquanto escrevia esse texto, uma coisa me veio à cabeça: seria legal saber o que mentes brilhantes pensam sobre a curiosidade. Por isso, pedi para que algumas pessoas respondessem às duas perguntas abaixo. São pessoas que tenho profundo apreço, que me inspiram, são fontes de aprendizado e são curiosas:

  • O que é curiosidade para você?
  • No seu contexto diário, seja no trabalho, nos estudos ou no cotidiano, por que devemos desenvolvê-la e aplicá-la?

Espero que essas aspas do Gil e as respostas abaixo te ajudem a manter a sua curiosidade em dia!

Por Natália Menhem

Curiosidade é uma fagulha interna que me leva a pensar: “e o que mais?” O que mais tem para saber e para descobrir? O que mais cabe em cada resposta ou possibilidade? O que mais pode ser diferente da realidade dada? O que mais existe para além do que eu já sei?”. Essa fagulha é o que nos permite expandir nossos horizontes, sair do ensimesmamento e da repetição sem questionamento.

Sem curiosidade, rapidamente viramos máquinas que repetem o que viram, ouviram ou estão acostumadas a fazer, sem se questionar se a forma de viver, estar e pensar o mundo pode ser diferente. Se a gente se incomoda com o estado das coisas, é imprescindível deixar a curiosidade aflorar para que possamos acessar outras formas de estar o mundo e ver outras possibilidades de existir.

Natalia Menhem é minha irmã, cientista social, poeta, arteterapeuta, estrategista de comunicação corporativa e mãe de gêmeos.

Por Edu Valladares

Pra mim, a curiosidade se manifesta como uma coceira intelectual, uma pulsação incessante que não permite que a mente se contente com o óbvio. é a chama que nos impulsiona a desvendar o que está por trás da cortina, a questionar o “porquê” e o “como” de tudo, desde a complexidade do universo até o funcionamento de um simples parafuso. no caso, não se trata apenas de um desejo de aprender, mas sim uma insurreição contra a complacência. É a nossa voz interna que sussurra: “Mas e se…?”. Então, acaba sendo uma força que nos tira da zona de conforto do que já sabemos para nos lançar no terreno fértil do desconhecido, onde o aprendizado não é uma tarefa, mas uma aventura emocionante. É o que transforma o tédio em fascinação e a ignorância em um ponto de partida para a descoberta.

Acredito que desenvolver e aplicar a curiosidade não é apenas uma virtude; é uma estratégia de sobrevivência e um catalisador de oportunidades.

Enxergo a curiosidade como a nossa “antena parabólica” pessoal para o futuro. Enquanto a maioria se contenta com as frequências familiares do presente, a curiosidade nos sintoniza com os sinais fracos e emergentes do que está por vir. De certa forma, nos permite participar ativamente da construção das próximas grandes ideias, das soluções inovadoras e dos caminhos ainda não trilhados.

No trabalho, ela nos tira do piloto automático, transformando tarefas rotineiras e simples em desafios de otimização e nos impulsionando a questionar “existe uma maneira melhor?”.

Nos estudos, ela transcende a mera memorização, transformando a aprendizagem em não apenas absorver informações passivamente, mas de dissecá-las, questioná-las e recombiná-las, construindo um conhecimento orgânico e profundamente enraizado, que se adapta e cresce.

E, no cotidiano, a curiosidade é o que nos mantém vibrantes e presentes, mesmo reconhecendo que, pra isso, precisamos desenvolver nossa habilidade de aprender com vulnerabilidade, o que chamo de Aprendabilidade.

Edu Valladares é designer de aprendizagem e professor. Autor dos livros “CRIAWAY” e “Como Aprender Melhor”.

Por Leandro Duarte

A cada nova incursão em que a curiosidade me enfia, eu aprendo uma nova atividade humana, desde as mais abstratas até as mais materiais. E isso traz uma perspectiva completamente nova de como uma atividade qualquer funciona, de como a mente e o corpo humano funcionam, da importância do tempo, das habilidades, da aprendizagem, do engajamento, da vontade, da resiliência.

Ao mergulhar numa nova atividade humana, da brassagem de cerveja à pesquisa científica, de tocar bateria a criar uma filha, de desenhar uma experiência a trocar a resistência do chuveiro, eu me vejo no lugar de outras pessoas, me enxergo no grande contexto, identifico meu tamanho na ordem geral das coisas, percebo a dificuldade de alcançar a excelência em cada um desses interesses diferentes e concordo cada vez mais com os fragmentos do Gil.

Leandro Duarte é comunicador, designer de experiências e sócio da Nuts.

Por Paula Basques

Curiosidade para mim tem a ver com uma frase que meu pai sempre falava (um curioso como você descreveu de mão cheia!): “saber não ocupa espaço”. Cresci ouvindo isso e sempre que tenho a oportunidade adequada uso a mesma frase. Em tempos em que diferentes conhecimentos sabiamente conectados e aplicados à prática são um diferencial na vida pessoa e profissional. Também acredito que curiosidade tem a ver com tentativa e erro. Um exemplo meu a respeito disso: em algumas demandas, preciso de imagens para apresentações que faço em clientes, se não encontro pronta, nas inúmeras tentativas e erros em IA geradoras de texto, descobri que se usar a descrição de imagem que o DeepSeek gera e pedir a imagem para o Gemini, pode funcionar bem. Sim, eu sei que existem IA que geram imagens, mas a minha curiosidade me levou a encontrar uma solução alternativa.

No trabalho, entendo que ser curioso com foco em aprendizagem e ganho de conhecimento é uma vantagem competitiva para a carreira e possibilidade de crescimento da atuação profissional. Mas, é preciso entender que o foco não é exclusivamente crescer na hierarquia, mas sim, ser reconhecido pela capacidade de gerar soluções criativas para diferentes situações e demandas.

Paula Basques é Consultora em Desenvolvimento Organizacional e Especialista em Reestruturação do Design Organizacional e Gestão Estratégica de Pessoas.

A mancha branca é (era) o tumor em formato de elipse.
A mancha branca é (era) o tumor em formato de elipse.

Quatro anos

Em 3 de maio de 2021, minha cabeça foi aberta para retirar um tecido tumoral de 5,5 cm x 4,4 cm x 3,1 cm. A biópsia mostrou que tratava-se de um astrocitoma de baixo grau com mutação do IDH 1. Foi uma cirurgia que se estendeu até pouco depois da meia noite do dia seguinte. Dois dias depois, abri a cabeça de novo para retirar uma rebarba desse tecido. Tive alta no quinto dia de hospital. Não precisei de nenhuma terapia adjuvante, seja quimio ou rádio. Só domava a minha claustrofobia nas ressonâncias magnéticas que eram trimestrais, depois quadrimestrais e então, semestrais.

Escrevi muito sobre esse processo, dos sintomas às cirurgias, aqui no blog. E o fato de ter escrito esse tanto não significa que não há mais o que dizer. Sempre há.

Na semana passada, em mais uma consulta de rotina, fui informado de que as minhas ressonâncias agora serão anuais. E pela primeira vez, ouvi e li a palavra “remissão total”. Fiquei feliz. Na época do diagnóstico e da cirurgia, imaginava que não precisaria fazer mais planos, porque a vida iria acabar. Foi duro imaginar que não iria cruzar essa ponte.

Quatro anos depois, fiz um bocado de planos, pus alguns deles pra frente e sinto que posso planejar e fazer mais. Acho legal e divertido contar do papo que eu bati com o anestesista sobre propofol segundos antes de ser sedado e de como é ser acordado no meio de uma cirurgia dessas. Fico feliz em saber que o vídeo que gravei para o canal Terminal, da querida Dani Louzada, ajudou algumas pessoas.

E não tem um dia que eu não penso nas pessoas. Sempre leio as mensagens que recebi no grupo de whatsapp que foi nossa central de notícias. Tanta gente que acompanhou esse capítulo da minha vida. e que sofreu junto, torceu, orou e celebrou comigo.

Ao mesmo tempo, todos os dias eu lembro do Miguel Thompson e do Bruno Guedes, amigos também acometidos por tumores cerebrais e que partiram cedo demais. Penso que posso ser um ouvido e um abraço amigo para aquelas pessoas que estão passando ou conhecem quem passa pelo que passei.

Porém, sinto o local da minha cirurgia toda vez que eu penso em “tempo”. Quanto tempo me resta? Quanto tempo isso (que pode ser qualquer coisa) vai demorar para ser feito? Vou conviver com o Samuel o tanto que meus pais convivem comigo?

Sinto medo e angústia quando percebo que a retirada do tumor não levou junto o dilema da comparação, o receio em me posicionar, em emitir opinião com medo de estar errado (ou certo), a distração.

Entendo que não é errado pensar sobre os dois últimos parágrafos. Porém, sinto que não deveria dar tanto espaço para esses pensamentos, especialmente porque me deixam parado, quando devemos estar sempre em movimento.

Nisso, lembro da mensagem que recebi do meu tio-avô Simão, logo quando tive o meu diagnóstico. Ele era irmão da vovó Teteca, tio da mamãe e um homem absolutamente criativo, talentoso e contador de histórias e que faleceu há pouco mais de dois meses. Compartilho abaixo:

“Flíper”, meu “boto” sobrinho neto. Um homem talentoso, gentil, e em pleno andar nesta vida cheia de surpresas. Agache, pegue esta pedra com as duas mãos e a coloque ao lado do caminho para que ela não te assuste mais no retorno da sua caminhada. E, na volta, ao revê-la, você vai perceber que antes ela te gerou muita agonia mas que nesta hora você perceberá que ela não demandava tanta preocupação. O melhor da festa é esperar por ela. E a festa acontece e passa. O pior da cirurgia é o medo que ela causa , até que você opere e se restabeleça. Tenha calma e fé. Isto só vai enriquecer a sua biografia. Um beijo, relaxa e boa caminhada🌹

Li essa mensagem novamente na semana passada e fez um sentido tremendo. Há quatro anos, peguei essa pedra com as duas mãos e coloquei na margem da estrada. Ela me gerou agonia, enriqueceu a minha biografia. Me reestabeleci. Para a velhice que vou, preciso aprender a não ocupar tanto a cabeça com as preocupações que me tornam estático.

Não é fácil, mas o caminho se faz é caminhando.

SXSW 2025

Colocando no blog para a perenidade, um registro sobre o SXSW 2025, contando sobre a jornada Oddly e Flash e algumas reflexões sobre o futuro do trabalho.


A sétima ida à Austin para o sexto SXSW começou de forma inusitada, com um convite do Walter Romano e do Tiago Pereira, as mentes por trás da Oddly Experience para dar apoio à jornada de Executivos de RH feita com o patrocínio da Flash.

Walter Romano e Tiago Pereira.

Walter Romano, o Walteen, é uma das pessoas mais generosas, criativas e legais que eu conheço. Já são quase 25 anos de amizade, desde que entrei na Lazo para a minha primeira experiência profissional, um desenvolvedor web. Um diálogo que tivemos em 2003 sobre cheiro do espirro é um dos posts mais comentados do blog. Finalmente, foi ele quem me apresentou o SXSW, tema da edição 26 do Ainda Sem Nome, o podcast que produzi com o Caio Oliveira por muitos anos.

O Tiago Pereira foi colega de trabalho do Walteen na Petrobrás e nos conhecemos em um Download, os eventos pós-SXSW, feito no Rio de Janeiro em 2018. Há três anos, ele é o anfitrião de um meet up de profissionais de RH no SXSW, que é um sucesso de público e crítica. Uma pessoa inteligente, sagaz, de papo reto e também generosa.

A amizade com Daniel Rocha, o Ceió, também é um presente da Lazo em 2003. Pela segunda vez, a família Vigil-Rocha (Daniel; Susana; Clara; Tony, o daschund e Amy, a gata) me hospedaram na cidade. Minha agenda estava um pouco mais caótica comparada com 2023, então não pude ser o melhor e mais presente dos hóspedes. Pena pra mim, porque é sempre uma alegria estar cercado de gente querida.

No festival, minha missão era ajudar na curadoria de conteúdo e orientação para parte do grupo que composto por 15 executivos e executivas de RH, muitos indo pela primeira vez. Antes da viagem, conversei e ajudei na construção da agenda de sete pessoas. Em Austin, ajudei no processo de descoberta do festival e da cidade e pude aproveitar os momentos em grupo para fazer aquilo que é a grande gema do SXSW: poder ouvir as impressões e pontos de vista das pessoas sobre os conteúdos assistidos.

E falando em conteúdos, esse ano, o meu olhar estava focado em duas coisas. A primeira eram as discussões sobre futuro do trabalho, tema que dividi com o Tiago no Report da Jornada Flash. A segunda, qual é importância da criatividade e de outras habilidades humanas em tempos de Inteligência Artificial. Isso tem a ver com o Círculo Musical da Construção de Soluções.

O que pensei sobre o futuro do trabalho

Me toquei que estamos imersos em uma grande mudança, que é a forma como nos relacionamos com o trabalho enquanto sociedade, e como essa mudança irá se acentuar. Começa com um ponto super importante, que é a diminuição e o envelhecimento da população global.

No Brasil e nos Estados Unidos, a taxa de natalidade está em 1,62 filhos por mulher. O número para manter a população estável seria 2,1. Nos Estados Unidos, sem imigração, isso significa uma queda de quase 80 milhões de pessoas nas próximas décadas.

Esse cenário afeta diretamente o mercado de trabalho: menos gente entrando, mais gente envelhecendo e uma necessidade urgente de repensar quem trabalha, como trabalha, e por quê. Nesse ponto, gostei da sessão “No Degree? No Problem. Challenging Enduring Talent Myths”, porque trouxe luz para novas formas de contratação, com foco em habilidades, não em diplomas.

As organizações também enfrentam desafios em relação à Geração Z, que tem um novo olhar sobre o trabalho e o sistema capitalista. Só 22% deles dizem confiar no modelo capitalista tradicional e questionam o valor do trabalho dentro de um sistema que nem sempre entrega bem-estar. Uma pesquisa recente mostra que 72% dos Gen Z querem ser seus próprios chefes, e mais de 70% já têm uma renda paralela além do emprego fixo.

Se antes o trabalho era o centro da vida, como uma calota de carro que tudo gira ao redor, agora ele se tornou mais uma fatia da pizza. O trabalho precisa fazer sentido, mas também precisa caber na vida — e não o contrário.

Como tomar decisões e encarar esse cenário de incertezas muitas vezes com informações incompletas? Como olhamos para o futuro e quais são as ferramentas que a gente pode usar para construir cenários?

Eu gosto muito da matriz Cynefin, feita pelo pesquisador David Snowden. É uma tentativa de dar sentido aos “múltiplos fatores em nosso ambiente e em nossa experiência que nos influenciam de maneiras que nunca poderemos entender”. Ela era citada nas formações que fazíamos no Centro Lemann com lideranças educacionais de 66 cidades do Brasil. Era legal ver o olhar de desconfiança virar um olhar de curiosidade.

Em sua sessão, Maggie Jackson trouxe duas definições de incerteza. Temos a incerteza aleatória, a incerteza do mundo — as variáveis externas, imprevisíveis, que fogem ao controle humano, e a incerteza epistêmica, a incerteza interna — nossa resposta psicológica ao desconhecido.

Nos dois casos, só conseguimos entender e navegar na incerteza se nutrirmos a curiosidade. Fazer perguntas do tipo “Por quê?”, “E se…?” “E se o contrário também for verdade?”. Podemos usar essas perguntas para expandir o entendimento de uma situação, pra superar vieses e automatismos e para abrir caminhos para a adaptação e inovação.

Faça a pergunta certa e aí a tecnologia vem depois“, como John Gauntt e Kate Baucherel falaram em “The Futurist Toolkit: Building a Business Strategy for 2050“. Em determinado momento, Gauntt em sua sessão, a tecnologia pode prever, mas é o mundo real — com sua aleatoriedade — que decide o desfecho.

Fiquei feliz em ver o Rishad Tobaccowala também trazendo a analogia de que as organizações precisam ser menos parecidas com orquestras, com alguém regendo pessoas extremamente ensaiadas, e mais parecidas com quartetos de jazz, mais fluídas e com diferentes pessoas levando a música para lugares inesperados.

Ou seja, as organizações precisam descobrir como fazer a contratação por habilidades funcionar. Afinal, em 2022, mais de um terço dos trabalhadores norte-americanos equilibrava mais de um trabalho ao mesmo tempo, sendo que dois terços dessa população tinham menos de 30 anos. Também é preciso repensar a atração de talentos, tanto para os jovens quanto para as pessoas mais velhas.

Ao mesmo tempo, precisamos manter a curiosidade e a criatividade sempre afiadas, porque o futuro do trabalho exige (re)qualificação constante. Você vai ouvir falar bastante sobre o conceito de “skill flux“, trazido pelo futurista Ian Beacraft, onde as habilidades têm um prazo de validade cada vez menor. Uma resposta para esse prazo curto é o surge skilling, ciclos mais curtos de treinamento de habilidades que têm aplicação imediata nas organizações. Este post da Michelle Schneider explica bem os dois conceitos.

E falando sobre as pessoas

O ano de 2017 foi o ano do meu segundo SXSW. Naquela edição, eu, Marcos Arthur, Marina Assis, Fabrício Vitorino e Estevan Paiva ficamos no mesmo quarto no finado e saudoso (?) Drifter Jack’s Hostel. A melhor parte dessa experiência eram as resenhas nos cafés da manhã e happy hours, onde discutíamos o que havíamos visto, compartilhávamos as experiências e causos.

Em 2025, tive a sorte de fazer isso com pessoas que eu conheci ao longo da Jornada Flash e rever amigos de outros carnavais. Após um 2024 conturbado, poder conversar, refletir e dar risadas com as pessoas do carrossel abaixo, me deixou energizado para continuar seguindo em frente.

 

A construção do vocabulário do Samuel

Dois casos rápidos pra falar sobre como me surpreendo com a sagacidade e inteligência de Samuel, um ano e sete meses.

Há umas duas semanas, a Carol fez duas viagens seguidas a trabalho. Na segunda de madrugada, ela foi à Teresina, chegou na terça de manhã. Na quarta, também de madrugada, ela foi à São Paulo pra retornar na quinta de noite.

No domingo, enquanto dávamos o jantar, Carol disse: “filho, amanhã quando você acordar, a mamãe não estará aqui, ela vai estará no avião”. Ele ficou meio desconfortável com a notícia, pediu pra sair da cadeirinha e terminou o jantar no colo dela.

Carol sai umas quatro da manhã. Às seis e pouco ele acorda, e eu escuto um “papai Ipe! Papai Ipe!“, o que foi uma surpresa. Geralmente, o chamado pela manhã é o “mamãe! Mamãe!”. Quando peguei ele no colo, ele solta:

“A mamãe tá no avião”.

Tirando um pequeno momento de desespero no começo da noite da segunda, tudo correu super bem.

Corta pra quarta de madrugada. Na noite anterior, Carol fala a mesma coisa durante o jantar. Ele acorda à 1h30, pede leite e, talvez imaginando que a mãe iria sumir se ele fechasse os olhos, resolve não dormir.

Carol levanta, dá o leite, fica com ele por uma hora e me acorda para trocarmos o turno e ela tentar dormir um pouco até a hora de se aprontar. Não logra muito sucesso, levanta, troca de roupa e sai de casa às 4h.

Ela indo pro aeroporto, eu tentando ficar acordado e o Samuel se divertindo. Confira essas imagens exclusivas feitas às 4h15 da manhã.

Depois de mais um pouco de leite, Samuel foi dormir às cinco da manhã. Consegui dormir, quase perdi a hora e tive que acordá-lo às 7h40, para deixar a Stella na creche canina, ele e a super Eva (sua babá) na casa dos meus sogros e seguir pro trabalho.

Na hora que ele acordou, eu estava ao lado do berço quando a Eva entrou no quarto e passou atrás de mim. Samuel levanta, olha pra Eva e fala:

“Eva, eu mimi”.

A gente riu, eu disse: “‘Mimiu’, cara, ‘mimiu’ tanto que eu tive que te acordar” e seguimos o dia.

É sagaz, tem senso de humor e inteligência, o rapaz.

E são essas nuances nas frases e comportamentos que são das coisas mais legais quando vejo seu desenvolvimento.

Samuel v1.6

Aos 18 meses e quatro dias, Samuel é uma criança 100% “formada”. Eu vou brincar desse jeito, colocando aspas aqui. Anda, corre, ensaia os seus pulos, se expressa e fala. Como fala!

E eu tenho um trava-língua para vocês, porque o PT-SA – o português do Samuel – tem suas nuances. Para ele, Stella, a whippet, é a “Tetela”. A bicicleta é a “teteta” e chama uma peteca de “teteca”. Tentem falar, “Samuel e Stella andam de bicicleta segurando uma peteca”.

Samuel tem curiosidade e criatividade de sobra, o que é ótimo. Porém, não torna necessariamente as coisas mais fáceis. Agora, ele já acha que a cadeirinha de criança é uma perda de tempo. O legal mesmo é escalar a cadeira de adulto para fazer suas refeições.

No banheiro, ele percebeu que a descarga faz um barulho quando é acionada. Então, porque ele mesmo não pode acioná-la quando fazemos o processo “tchau, cocô”?

É lindo ver essas explorações acontecendo. Mas também são um dilema da parentalidade. Afinal, não quero cercear suas experimentações e criatividade. Porém, há linha muito tênue entre estimular a prática e achar que ele está em risco por conta dos meus medos. Achar esse ponto de equilíbrio é um tremendo desafio. Enquanto descubro, tento deixar algumas portas fechadas, manter a atenção redobrada, dar suporte e soltar uns ou vários “Não!” com contexto.

Ao mesmo tempo, continua um tremendo exercício acompanhar e acolher a outra coisa que está em processo de formação: suas emoções. Entender que o drama, leia-se deitar no chão quando sua vontade não é realizada, é a forma que ele tem pra expressar a sua frustração. Sigo a recomendação do pediatra Daniel Becker: respiro fundo uma ou duas vezes para não perder a paciência.

Finalmente, a maior delícia dessa mini pessoa é poder aproveitar e explorar a cidade com ele, que tem virado um companheirão de passeios. É ali que vejo o repertório se expandindo, as frases sendo formadas (ontem, ouvir “ali o carro do vovô!” encheu meu coração) e a curiosidade aguçada, enquanto me descubro como pai e o ajudo a descobrir o mundo.

O Círculo Musical da Construção de Soluções – Repertório

O Círculo Musical da Construção de Soluções nasceu de um comentário no Linkedin e é baseado na minha formação, experiência e trajetória profissionais e nas minhas vivências como baterista semiprofissional. Tocar com diferentes pessoas e em diferentes situações, me ajudou a criar uma bagagem de recursos diversos relacionados à criatividade, colaboração e aprendizagem que consigo transferir para outros aspectos e cenários.

O objetivo desta série de artigos é detalhar cada um dos quatro elementos que compõem o círculo: Prática, Repertório e Improvisação, além do bônus Silêncio. Vou trazer exemplos da minha vivência, referências e trechos de entrevistas de artistas e dicas para aplicar a “mentalidade musical” na construção de soluções no dia a dia das organizações.

Sobre Repertório

Eu sinto que as dimensões do Repertório e da Prática estão muito conectadas por conta da aplicação e desenvolvimento das habilidades técnicas e das habilidades sociais.

A construção e expansão da prateleira de grooves, viradas, técnicas e dinâmicas acontece porque eu escuto, estudo e pratico música. A prateleira de colaboração, comunicação, criticidade, análise e negociação aumenta quando estou criando músicas com as pessoas, definindo um repertório de músicas para serem executadas pela banda, tentando vender um show ou ouvindo o feedback de quem me assistiu. (Quase a forma musical da metodologia CEP+R, criada por Alex Bretas e Conrado Schlochauer.)

Essa estante do repertório individual é que vai me ajudar a tomar as melhores decisões para:

  • Tocar a música de uma forma interessante para mim, para a banda e para o público;
  • Criar um espaço de inovação e desenvolvimento individual e coletivo;
  • Improvisar e lidar com os imprevistos;

Nessa série sobre tocar em uma banda, trago situações musicais. Mas alguns são assustadoramente similares às experiências que tive no mundo corporativo. Um bom exemplo é a criação de um repertório de músicas.

Seja para decidir as músicas covers, criar músicas autorais ou uma mistura das duas coisas, um dilema comum entre bandas e organizações aparece: o balanço entre estabilidade e experimentação. Ou seja, como montar um repertório que consiga fazer o público gostar do som, mas que também não limite o espaço para a inovação? O processo de criação da lista de músicas começa com um brainstorming coletivo e presencial (se possível), onde é importante criar um ambiente de segurança para que as ideias e sugestões saiam sem amarras.

No Balboa, minha banda de pop-rock, funk e soul entre 2004 e 2007, as músicas eram escolhidas para garantir shows todos os finais de semana, ao mesmo tempo que não enjoasse quem nos assistia com frequência. Entre músicas próprias, do Jota Quest e do Tim Maia, colocamos “Bete Balanço” do Barão Vermelho e “Vertigo” do U2 como a parte mais rock’n’roll do repertório.

Por outro lado, a Watermelon Band, minha banda em São Paulo, fazia uma apresentação anual, onde tocamos um repertório de jazz e outro de rock. A escolha é baseada no nível de dificuldade e satisfação na execução das músicas. Queremos nos divertir tocando, mas buscamos desafios que nos façam evoluir.
Por exemplo, “Vera Cruz” do Milton Nascimento e “Long Distance Runaround” do Yes eram músicas que pareciam fadadas ao fracasso no primeiro ensaio: eu ficava bem perdido em algumas partes, não conseguia tocar junto com as outras pessoas… uma tragédia. Porém, foram duas canções lindamente executadas no dia do show por conta da repetição, do aperfeiçoamento da prática.

John Blackwell (1973-2017)

Para tocar de uma forma que seja interessante para mim, para a banda e o público, sigo fielmente o que John Blackwell, baterista que tocou com Prince e Justin Timberlake, fala no trailer dessa videoaula:

“Os artistas te contratam para tocar no tempo. E se alguém falar: ‘vamos ouvir a ideia do baterista’, aí tudo bem. Se não, aprenda a canção, respeite a música e toque-a da forma como deve ser tocada.”

Para mim, em um show de pop e rock, “tocar a música como deve ser tocada” é fazer o simples: criar a fundação para que a banda fique confortável, respeitar o que foi ensaiado, estar atento e pensar em soluções quando algo sair dos planos. A regra se aplica também aos shows de jazz, respeitando as particularidades do estilo: uma forma mais livre de música e os improvisos.

E vejam, isso não significa “tocar da mesma forma todas as vezes”. Sempre há espaço para pequenos incrementos na hora do show: uma frase diferente, uma mudança na dinâmica, uma interação com a platéia. A chave é fazer isso sem colocar a música e a experiência do público em risco. Afinal, inovar é também fazer um uso criativo do que já sabemos.

Músicas Próprias

Com a mente aberta, compor e criar músicas é um exercício de inovação por si. É muito legal criar uma linha de bateria do zero a partir de uma ideia apresentada. Nesse sentido, o ambiente de segurança é ainda mais importante, exatamente por conta do aspecto criativo coletivo e da vulnerabilidade de quem está apresentando a ideia.

É nessa hora que nosso repertório é muito útil. Primeiro, escuto a música com atenção, anoto a estrutura e fico imaginando o que posso aproveitar das coisas que sei para criar a linha de bateria. Depois, experimento alguns grooves para entender se fazem sentido. Esse momento, de tocar algo pela primeira vez, é sempre muito mágico, porque estou mostrando meu trabalho, transformando as experiências em algo prático e expandindo meu repertório.

Tocando com o Balboa no segundo show no Hard Rock Café, em agosto de 2006. O jam block (peça rosa na bateria) sempre foi uma homenagem ao Carter Beauford.

De certa forma, estou homenageando os meus ídolos e referências. Na minha experiência musical, tenho muito orgulho de duas linhas de bateria que criei. As baterias de “Para Sempre Viver” do Balboa (confira abaixo) e de “Mutação“, faixa do ProjetoD, do guitarrista e produtor Raphael Mancini. A primeira tem algumas referências ao Carter Beauford, baterista do Dave Matthews Band e a segunda é um groove mais reto, parecido com o Steve Jordan, atual baterista dos Rolling Stones.

Ah, pode ser que o conjunto de habilidades atual dê conta do recado. Se não for o caso, uma dica simples do baterista Benny Greb mostra como você pode ampliar esse conjunto, sem necessariamente ter aprendido algo novo. Basta trocar o ponto final de uma frase por uma interrogação. Veja a partir dos 52:14.

Na bateria, seria algo como: “Toda virada deve usar ton-tons e terminar no prato(?)” ou “Toda virada deve ter mais notas do que o groove(?)”. Quando você transforma uma afirmação numa pergunta, sua percepção sobre aquele assunto muda e você está aumentando (ou utilizando) o seu repertório, sem necessariamente ter aprendido algo novo. É o exercício puro e cristalino da curiosidade.

Na minha vida corporativa, tive a sorte de trocar afirmações por perguntas algumas vezes e com pessoas muito legais. Tanto na Ciatech quanto no escritório da WorldSkills São Paulo 2015, algumas produções audiovisuais muito criativas saíram a partir da afirmação: “Precisamos de uma produtora para qualquer captação”. Precisamos?

Pensando bem, “trocar afirmações por perguntas” poderia ser a essência do desenvolvimento do repertório. Em um aspecto pessoal, o desenvolvimento do repertório também é um convite para pensarmos no nosso balanço entre “estabilidade” e “inovação”, mas nas palavras de John Blackwell: “manter simples” e “evitar tocar em excesso”. Prefiro tocar e trabalhar com pessoas que tem um amplo repertório e que sabem como usar cada recurso na hora certa. Gosto de exercer esse papel também.

Para mim, uma grande lição do jazz foi aprender a improvisar. E não falo somente de “corrigir algo não planejado”. Falo sobre conduzir a banda enquanto faço o meu solo. Aqui posso tocar em excesso, tocar alto, misturar várias coisas, me expressar e ser convidado a liderar. Depois, cedo o espaço e volto a colaborar com o próximo solista.

Mas aí é o tema do próximo artigo. 🙂


(Bônus: no seu círculo de amizades, tenha pessoas que compartilhem música. É impressionante como essa troca e a oportunidade de aprendizagem social são importantes na criação do nosso repertório. Existe uma aura mágica na frase “escutei esse artista e lembrei de você”).

Uma carta para São Paulo

Oi, cidade de São Paulo, tudo bem?

Esta é uma carta de despedida. Em alguns dias, vamos tomar rumos diferentes. Digo, você continuará onde está, eu estou voltando para Belo Horizonte. Antes de partir, queria escrever algumas palavras sobre a gente.

Nossa história começou em 1994, quando os Almeida Fares Menhem vieram fazer uma excursão. Eu conheci o Playcenter, o Simba Safari, o Parque da Mônica no Shopping Eldorado, o The Waves e lembro de ter ido ao KFC (ou era Dunkin’ Donuts?) em algum lugar da Paulista.

Depois, em 1999, o papai me trouxe para ver o Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1. Chegamos no sábado à noite para ficar na casa de um amigo dele no Santa Cecília. Pegamos a chave com o dono do bar no térreo do prédio. No dia seguinte, fomos ao Autódromo de Interlagos. No final, rachamos um táxi até o Aeroporto de Congonhas.

Já morando aqui, eu fui entender a distância de Santa Cecília até Interlagos. É muito maior do que eu sequer poderia imaginar na época.

Em 2003, vim encontrar uns amigos da escola. Fiquei na casa do Tio Ângelo e da Simone na rua Bela Cintra. Fomos almoçar na Liberdade e na minha observação da rua Galvão Bueno soltei um sonoro “nossa, como parece a rua XV lá em Barbacena”. Não tem nada a ver, mas era o meu referencial.

Vim pontualmente entre 2006 e 2008 para trabalhar, comemorar os 30 anos da Bia e o batizado do Hugo.

Foi só em 2010 que, por uma razão profissional, você virou a minha casa. “Topei tentar a sorte” aqui e nos conhecemos melhor.

Foram 14 anos, oito meses e 14 dias de muitas coisas legais. Foram seis casas, seis trabalhos, várias oportunidades de conhecer e fazer coisas que eu jamais imaginaria fazer, e celebrar coisas que talvez fossem difíceis na minha cabeça teimosa de Belo Horizonte.

(Acho que a Ruth Rocha escreveu “Eugênio, o Gênio” pensando em mim.)

Criei meu pequeno universo paulistano caminhando. Seja flanando pelo centro, pelo arredores da Paulista para te conhecer melhor, ou nas atividades do dia a dia. Não raro, saía caminhando de Pinheiros até o trabalho na Berrini, ou de Moema até Pinheiros para fazer Crossfit.

No caminho, prestava atenção nos prédios, nas pessoas, no comércio. Prestava atenção nos pensamentos também. Caminhar por você sempre foi simbólico para quem tinha a absoluta certeza que morreria sem se movimentar, com medo de cortar as raízes de Belo Horizonte.

Falando em raízes, criei algumas improváveis por aqui. Você me apresentou duas turmas muito legais: a do crossfit e da prática de banda. Quero (e vou!) escrever algumas palavras carinhosas sobre essas duas turmas, sobre identificação e pertencimento.

Felizmente, saio bem diferente do que quando cheguei. Cortei as raízes e cortei a narrativa da minha juventude: a certeza absoluta de que era legal e descolado falar que eu seria um ancião (descolado!) na Serra do Curral, com meus pés se confundindo com o minério de ferro.

Topei mudar, e te conhecendo, São Paulo, acabei me conhecendo também. Pegando metrô lotado, confundindo as portas de saída do metrô nas estações, conhecendo os restaurantes, transferindo título de eleitor e carteira de motorista, reclamando do trânsito, conhecendo gente… só resisti bravamente ao hábito de chamar as pessoas pela primeira sílaba do nome.

Foram construções, reconstruções, descobertas e de uma constante lembrança de que precisamos estar sempre em movimento. Decidimos voltar para BH para ficarmos mais perto da família, para poder ter uma rede de apoio, para ficarmos menos isolados. Apesar de tudo, você é uma cidade muito dura nesse sentido.

E eu sei que é difícil ouvir isso, mas não sei dizer se um dia voltaremos. Precisamos viver e acreditar nessa nova fase, feliz, mais acolhedora e “que seja eterna enquanto dure”. Continuaremos nos vendo eventualmente, sabendo que cada reencontro nosso será carinhoso.

Te agradeço muito, São Paulo, por tudo.

Com carinho,

Felipe

 

O Círculo Musical da Construção de Soluções – Prática

O Círculo Musical da Construção de Soluções nasceu de um comentário no Linkedin e é baseado na minha formação, experiência e vivências profissionais e nas minhas vivências como baterista semiprofissional. Tocar com diferentes pessoas e em diferentes situações, me ajudou a criar uma bagagem de recursos diversos relacionados à criatividade, colaboração e aprendizagem que consigo transferir para outros aspectos e cenários.

O objetivo desta série de artigos é detalhar cada um dos quatro elementos que compõem o círculo: Prática, Repertório e Improvisação, além do bônus Silêncio. Vou trazer exemplos da minha jornada, referências e trechos de entrevistas de artistas e dicas para aplicar a “mentalidade musical” na construção de soluções no dia a dia das organizações.

Sobre Prática

Dentro do Círculo Musical, eu entendo que a definição de Prática é “como usar bem o meu instrumento em prol da música e das outras pessoas”, buscando incrementos que facilitam a execução e abrem novas possibilidades para estes ofícios.

Existe uma grande diferença entre tocar sozinho e tocar com outras pessoas, por mais óbvio que isso possa parecer. No olhar da aprendizagem, são duas atividades benéficas e que se retroalimentam. Tocar sozinho é um momento de estudo, de refinamento de técnica, de exploração e experimentos sonoros. Na bateria, você pode fazer isso de diversas formas: tocando junto com uma música, estudando em pads ou no próprio kit, lendo e interpretando partituras, praticando rudimentos…

Tocar em uma banda é a oportunidade para colocarmos os experimentos e estudos em campo. E também um exercício constante de habilidades comuns a qualquer ambiente profissional: empatia, comunicação, negociação, gestão de conflitos, liderança, escuta ativa, criatividade e capacidade de gerar novas ideias, por exemplo.

O primeiro ensaio é um desafio para a pessoa novata, tal qual o primeiro dia na firma. Passei por experiências similares na minha primeira banda e no meu primeiro emprego. No Álamo, eu era o baterista de uma banda de covers do pop rock brasileiro dos anos 1980. Na Lazo, eu transformava arquivos do Photoshop em HTMLs para sites.

07/08/1999. A bateria montada de qualquer jeito no meu quarto.

Em ambos os casos, eu tinha os fundamentos, mas talvez não soubesse a melhor forma para aplicá-los dentro dos respectivos contextos profissionais. No meu mundo das analogias, eu parei de praticar um esporte individual e comecei a jogar um esporte coletivo.

Bandas e organizações são esportes coletivos. E mesmo quando você estiver praticando os fundamentos de um esporte coletivo em casa, emulando sozinho todos os movimentos do jogador e se sentindo confortável com isso, na hora que aparece alguém para jogar junto, tudo muda.

E nas bandas e nas organizações, precisamos entender dinâmicas, rituais, processos, fluxos para conseguirmos fazer um bom trabalho. E é preciso muita orientação e gentileza das pessoas mais experientes com as novatas, para que esse trabalho aconteça de uma forma mais fluida.

E quais são os desafios em uma banda?

Na minha experiência, são quatro coisas fundamentais para termos um bom ambiente para a prática de uma banda: estar em dia com seus fundamentos, repetição, curiosidade e gentileza.

Estar em dia com os seus fundamentos é estudar o instrumento e o repertório da banda, para que as horas de ensaio sejam melhor aproveitadas. Aqui, estabelecer combinados é um passo importante. Se você está ensaiando um repertório novo, então, quantas músicas novas serão tocadas por ensaio? Já toquei com um artista que definia grupos de três músicas. Em sete ensaios, conseguimos passar por todo o repertório e utilizamos os seguintes para passar o show inteiro.

Estudar o instrumento traz novas ideias, torna algumas tarefas mais fáceis e traz segurança para a execução em grupo. E aí entra a repetição.

Repetição. Tocar em uma banda e fazer shows significam executar a mesma coisa incontáveis vezes, mas nem sempre com o mesmo resultado, porque estamos lidando com pessoas no palco e na plateia. Nos ensaios, a repetição gera confiança. No vídeo abaixo, Jennifer Batten, guitarrista em duas turnês do Michael Jackson traz elementos do estudo e da repetição.

Após ser aprovada na audição, a banda ficou um mês ensaiando sozinha, sem a presença de Michael Jackson. No período, havia experimentação e ajustes de sons, momentos para as pessoas se conhecerem e tornarem-se próximas. Somente no segundo mês, Michael apareceu. E a dica do produtor era “se ele gostar do som, vai começar a dançar”. Logo no começo do ensaio, o artista fez alguns passos. E os ensaios seguiram por mais outro mês inteiro.

Segundo Jennifer, as horas de prática ajudaram a banda a manter a compostura diante de estádios lotados. “Essa é uma das lições que digo às pessoas. Nunca senti que estávamos ‘super ensaiados’. Sempre que tínhamos uma oportunidade, estávamos ensaiando”.

O terceiro elemento pra mim é a curiosidade, ou seja, ter abertura às novas ideias, à exploração e às observações das pessoas que estão tocando conosco. Isso significa uma lista de coisas:

  • Ouvir, estudar e entender os artistas que você gosta e entender como você consegue incorporar elementos em sua prática;
  • Trocar ideias com outras pessoas que também tocam um instrumento sobre interesses em comum ou conexões inusitadas. Um baterista de jazz e um baterista de heavy metal podem ter mais coisas em comum do que imaginamos. E isso vale para outros segmentos. Em seu livro “Something to Food About“, Ahmir Questlove Thompson, baterista, produtor, diretor e ganhador do Oscar, afirma que músicos e chefs de cozinha trabalham sob os mesmos princípios criativos, mas com nomes diferentes.
  • Se possível, toque com a maior quantidade de pessoas e a maior quantidade de estilos possíveis. Isso é fundamental na expansão da sua “caixa de ferramentas” de técnicas e das habilidades relacionais e criativas. Transitar entre pop, rock, blues, funk e jazz me ajudou a entender o meu papel nas bandas e como eu posso facilitar o papel das outras pessoas.
  • Na hora da criação e composição de uma música própria, cabeça aberta para ouvir e dar ideias em um campo aberto de possibilidades.

Finalmente, a gentileza. Nove entre dez músicos profissionais irão afirmar sobre a importância de ser uma boa pessoa. Isso vale no estúdio, no palco, e vale também no escritório, na indústria, em qualquer lugar. Se você é a pessoa mais experiente no espaço, mostre o caminho para que as pessoas menos experientes sintam-se confortáveis para fazer perguntas, dar ideias ou fazer sugestões. A tomada de decisão fica muito mais fácil nesse sentido.

Entender e estabelecer formas de comunicação eficazes e simpáticas com as pessoas é fundamental. Sejam as verbais, na hora de sugerir uma música, correção de rota, opinião sobre uma levada, um solo ou uma letra. Ou as não-verbais: trocas de olhares e sinais com as mãos no meio das músicas. Faça isso com cortesia e firmeza.

Há uns seis ou sete anos, vi o alívio de um baixista novato na minha banda de jazz, quando o professor, percebendo seu desconforto, perguntou gentilmente: “você está entendendo onde estamos na música?”. A resposta, “não”, saiu como um pedido de ajuda e um agradecimento por alguém ter mostrado a direção.

Lembrei também do meu primeiro dia de trabalho, quando o programador mais experiente me pegou praticamente pela mão e disse: “vou te mostrar como fazemos aqui”. Em um lugar onde o onboarding era o famoso “vai, se vira, e faz”.

Afinal, ninguém quer trabalhar (ou tocar) com um sujeito que afirmava por todo o escritório: “o único jeito de fazer as coisas é o meu jeito”. A empresa seguiu, ele ficou pelo meio do caminho.

Temos muito a explorar ainda dentro do Círculo Musical da Construção de Soluções. Espero que tenham gostado do conteúdo sobre Prática. Adoraria ouvir a opinião de vocês.

Do Porto

No apagar das luzes de 2024, Maria do Porto Cândida de Jesus, 85, foi descansar. Uma vida de labuta, que começou aos seis anos (!) e que ficou restrita à cidade de Belo Horizonte, reflexo da desigualdade baseada no gênero, cor da pele e no recorte sócio-econômico.

Do Porto, ou “Dú”, tinha uma voz de cantora de blues, um humor refinado e uma inteligência acima da média.

Chegou para trabalhar lá em casa há uns 30 anos, por indicação de uma amiga dos meus pais. Na primeira ligação, mamãe ficou confusa com a voz do outro lado da linha. Ouviu “Maria do Porto” e achou que havia falado com o “marido da Do Porto”.

Certa vez, ela fez um pudim de pão e vendo que a pessoas não davam fim nele, escreveu “Aqui jaz o renegado” em um pedacinho de papel.

Em outra, o gato chamado Gato que habitou nossa casa entre 1996 e 2000, voltou de sua excursão na rua com uma rolinha na boca. Ao ver a cena, Do Porto olhou com cara de reprovação e disse “seu perverso”.

Naomi, a Whippet nº. 1, tinha um respeito absurdo pela Do Porto. Num ponto em que ela saia de onde estivesse quando ouvia as palavras mágicas “Naomi, hora do café”. A Dú sofreu com sua partida e eu acho que a Naomi fez uma festa na sua chegada.

Ela ficou devastada quando caiu no golpe do falso sequestro da Natália. “Escuto tanto sobre isso na rádio. Não era pra eu ser enganada”.

E eu, na minha experiência morando sozinho, recorri à ela no dia que fiz arroz pela primeira vez. Liguei, ela me deu as medidas e o passo a passo para o arroz soltinho e foi um sucesso. Sigo as dicas e a receita desde então.

São casos e histórias dessa mulher especial.

Vá em paz, Dú, e obrigado por tudo.

Sobre 2024

Esse não foi um texto fácil de ser escrito, porque estou falando do ano mais maluco da minha vida. Fiquei tentado em escrever só sobre as coisas ruins, mas seria injusto comigo, com quem me apoia e com quem lê esse espaço. Então, começa meio esquisito, mas depois melhora, eu prometo.

No lado ruim: vou lembrar de 2024 como o ano das recusas e das rejeições. Fui demitido duas vezes, fui recusado em um evento internacional que tenho um carinho tremendo, recebi um “não” silencioso (porém sonoro) e que ainda dói, vi pessoas partindo cedo demais.

Em termos práticos, se eu tivesse cuidado antes da saúde mental, poderia ter evitado a segunda demissão. De resto, não havia nada que eu pudesse fazer – em nenhuma circunstância – para reverter o que aconteceu: não comando orçamentos organizacionais e questões políticas e eu não controlo a natureza.

(Meus sonhos, no entanto, me falam o contrário: tudo está sob minha responsabilidade e não sou bom o suficiente. Em um recente, eu estava parado e uma fila de amigos e familiares passava por mim dizendo que sou legal, mas que preferem a pessoa x ou y para fazer qualquer tarefa.)

Minha cabeça deu ruim em agosto. O burnout foi catalisado por um quadro de depressão que estava deixando em segundo plano, afinal tinha outras prioridades na vida. Quando tomei ação, leia-se ida ao psiquiatra, medicação e volta para a terapia, já era tarde demais do ponto de vista profissional. Lembro de uma reunião específica, talvez uma semana antes do último dia, onde eu não consegui falar uma palavra e não entendia o que estava sendo dito, quase como o Charlie Brown na sala de aula.

Pifei.

E a saúde mental em frangalhos traz uma carreta de sentimentos: raiva, baixa auto-estima, desdém, silêncio, inércia. A vontade era de cavar e morar em um buraco, para dar menos trabalho para quem convive comigo, para não precisar falar dos meus sentimentos e medos. Morar num buraco parece bom para o tempo passar sem que eu lide com a pressão e o peso do mundo. Tenho limitado a minha exposição aos sites de notícias, porque ler as mazelas tem me feito mal.

Em grande parte do ano, me senti uma pessoa, um marido, um pai, um filho, um irmão e um amigo abaixo da crítica.

E fim, o texto poderia acabar aqui. Mas não vai. Afinal, continuei caminhando, “carregando água na peneira“.

Com o apoio da medicação, da terapia e de muita conversa em casa, comecei a entender e transformar algumas coisas. Primeiro, entender que do fundo do buraco, eu não vejo o que está acontecendo aqui em cima. E eu quero estar aqui em cima, compartilhando o que observo e crio. O medo da exposição já não é mais um medo.

Lancei minha loja de fotos, dessa vez pra valer. Tirei outro projeto da cabeça, o “Jam Sessions & Colabs“, um podcast para falar de prática artística. Fiz o que deu em 2024 e estou animado com o ano vindouro. Mesmo não sendo na quantidade e tempo que eu queria, pude participar de algumas edições do podcast “A Voz do Conhecimento“, conhecendo e entrevistando pessoas muito legais.

Tenho escrito mais e aparecido mais por aqui para falar do Samuel, que aos 16 meses de idade, é um rapaz que está descobrindo o mundo, enquanto eu me descubro como pai e registro a construção da nossa relação. E existe uma aura especial na primeira festa de aniversário dos filhos, é impressionante.

Fiz dois shows muito simbólicos esse ano. Em julho, depois de 15 anos, toquei novamente com Rodrigo Borges e Marcelo Bizzotto, meus amigos desde o pré-primário, no aniversário de 70 anos do Geraldo Borges. Fizemos um ensaio de 40 minutos no dia do show e nos apresentamos com toda a confiança do mundo.

E em agosto, junto com Luciano Vieira, André Rosa, Thiago Ceconi, Gustavo Ribeiro e Pedro Almeida, meus amigos da Prática de Banda, fizemos outra linda apresentação. Os ensaios das terças são um momento de desabafo, conexão e expressão.

Artisticamente falando, 2024 foi um ano de nítidas evoluções. Fazia tempo que não percebia isso.

Segundo, estar aqui em cima é falar abertamente sobre saúde mental e meus outros medos, tirando da cabeça e colocando pro mundo os meus sentimentos sobre os temas. E isso também tem a ver com a experiência e o trauma da bolinha de golfe que morava na minha cabeça. Achei que estava tudo resolvido, mas ainda há muito o que falar. A partida do Bruno Guedes me deixou triste, ao passo que me senti reenergizado ao poder compartilhar minha experiência com um rapaz de Pernambuco que passou por um diagnóstico e uma cirurgia muito similares.

Estar aqui em cima é também agradecer e reconhecer a sorte de dividir a vida com a Carol e com a família e os amigos e amigas que tenho. É aprender a me olhar da forma como eles olham para mim. E entender esse carinho e ternura como oportunidade para reconstruir conexões.

O ano de 2025 começa com grandes metas, tipo arrumar um trabalho, e grandes mudanças, inclusive geográficas. Vou caminhar confiante, sem muita pressa. E olhando para 2024 com um olhar de aprendizado, não de derrota. Sem ser ingênuo, e sim realista.

Vamos que vamos.

(Foto feita em dezembro de 2024 no Retiro das Pedras)