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Sobre 2024

Esse não foi um texto fácil de ser escrito, porque estou falando do ano mais maluco da minha vida. Fiquei tentado em escrever só sobre as coisas ruins, mas seria injusto comigo, com quem me apoia e com quem lê esse espaço. Então, começa meio esquisito, mas depois melhora, eu prometo.

No lado ruim: vou lembrar de 2024 como o ano das recusas e das rejeições. Fui demitido duas vezes, fui recusado em um evento internacional que tenho um carinho tremendo, recebi um “não” silencioso (porém sonoro) e que ainda dói, vi pessoas partindo cedo demais.

Em termos práticos, se eu tivesse cuidado antes da saúde mental, poderia ter evitado a segunda demissão. De resto, não havia nada que eu pudesse fazer – em nenhuma circunstância – para reverter o que aconteceu: não comando orçamentos organizacionais e questões políticas e eu não controlo a natureza.

(Meus sonhos, no entanto, me falam o contrário: tudo está sob minha responsabilidade e não sou bom o suficiente. Em um recente, eu estava parado e uma fila de amigos e familiares passava por mim dizendo que sou legal, mas que preferem a pessoa x ou y para fazer qualquer tarefa.)

Minha cabeça deu ruim em agosto. O burnout foi catalisado por um quadro de depressão que estava deixando em segundo plano, afinal tinha outras prioridades na vida. Quando tomei ação, leia-se ida ao psiquiatra, medicação e volta para a terapia, já era tarde demais do ponto de vista profissional. Lembro de uma reunião específica, talvez uma semana antes do último dia, onde eu não consegui falar uma palavra e não entendia o que estava sendo dito, quase como o Charlie Brown na sala de aula.

Pifei.

E a saúde mental em frangalhos traz uma carreta de sentimentos: raiva, baixa auto-estima, desdém, silêncio, inércia. A vontade era de cavar e morar em um buraco, para dar menos trabalho para quem convive comigo, para não precisar falar dos meus sentimentos e medos. Morar num buraco parece bom para o tempo passar sem que eu lide com a pressão e o peso do mundo. Tenho limitado a minha exposição aos sites de notícias, porque ler as mazelas tem me feito mal.

Em grande parte do ano, me senti uma pessoa, um marido, um pai, um filho, um irmão e um amigo abaixo da crítica.

E fim, o texto poderia acabar aqui. Mas não vai. Afinal, continuei caminhando, “carregando água na peneira“.

Com o apoio da medicação, da terapia e de muita conversa em casa, comecei a entender e transformar algumas coisas. Primeiro, entender que do fundo do buraco, eu não vejo o que está acontecendo aqui em cima. E eu quero estar aqui em cima, compartilhando o que observo e crio. O medo da exposição já não é mais um medo.

Lancei minha loja de fotos, dessa vez pra valer. Tirei outro projeto da cabeça, o “Jam Sessions & Colabs“, um podcast para falar de prática artística. Fiz o que deu em 2024 e estou animado com o ano vindouro. Mesmo não sendo na quantidade e tempo que eu queria, pude participar de algumas edições do podcast “A Voz do Conhecimento“, conhecendo e entrevistando pessoas muito legais.

Tenho escrito mais e aparecido mais por aqui para falar do Samuel, que aos 16 meses de idade, é um rapaz que está descobrindo o mundo, enquanto eu me descubro como pai e registro a construção da nossa relação. E existe uma aura especial na primeira festa de aniversário dos filhos, é impressionante.

Fiz dois shows muito simbólicos esse ano. Em julho, depois de 15 anos, toquei novamente com Rodrigo Borges e Marcelo Bizzotto, meus amigos desde o pré-primário, no aniversário de 70 anos do Geraldo Borges. Fizemos um ensaio de 40 minutos no dia do show e nos apresentamos com toda a confiança do mundo.

E em agosto, junto com Luciano Vieira, André Rosa, Thiago Ceconi, Gustavo Ribeiro e Pedro Almeida, meus amigos da Prática de Banda, fizemos outra linda apresentação. Os ensaios das terças são um momento de desabafo, conexão e expressão.

Artisticamente falando, 2024 foi um ano de nítidas evoluções. Fazia tempo que não percebia isso.

Segundo, estar aqui em cima é falar abertamente sobre saúde mental e meus outros medos, tirando da cabeça e colocando pro mundo os meus sentimentos sobre os temas. E isso também tem a ver com a experiência e o trauma da bolinha de golfe que morava na minha cabeça. Achei que estava tudo resolvido, mas ainda há muito o que falar. A partida do Bruno Guedes me deixou triste, ao passo que me senti reenergizado ao poder compartilhar minha experiência com um rapaz de Pernambuco que passou por um diagnóstico e uma cirurgia muito similares.

Estar aqui em cima é também agradecer e reconhecer a sorte de dividir a vida com a Carol e com a família e os amigos e amigas que tenho. É aprender a me olhar da forma como eles olham para mim. E entender esse carinho e ternura como oportunidade para reconstruir conexões.

O ano de 2025 começa com grandes metas, tipo arrumar um trabalho, e grandes mudanças, inclusive geográficas. Vou caminhar confiante, sem muita pressa. E olhando para 2024 com um olhar de aprendizado, não de derrota. Sem ser ingênuo, e sim realista.

Vamos que vamos.

(Foto feita em dezembro de 2024 no Retiro das Pedras)

A lama e a cortesia mineira

Mesmo sendo das Minas Gerais, confesso que ainda me espanto com a solicitude mineira, especialmente quando e onde menos esperamos.

No sábado passado, 22/12, eu, Carol, Samuel e Stella saímos cedo de São Paulo para Belo Horizonte, com o carro entupido de coisas e o coração e a mente também entupidos da vã esperança de encontrar uma Fernão Dias vazia. Ledo engano.

Demoramos cinco horas para andar 150 quilômetros, com muito congestionamento já em Mairiporã. Isso já dava a tônica da viagem. E em determinado momento, já próximos da cidade de Campanha, resolvemos fugir do trânsito da rodovia para entrar na cidade e comprar um remédio para Carol, que estava explodindo de dor de cabeça. O Google Maps havia sugerido um desvio por uma estrada de terra. Em uma bifurcação, peguei a saída da esquerda, tentei enfrentar uma subida enlameada e não consegui. Retornei com cuidado e quando estávamos próximos do asfalto, apareceu o primeiro exemplo da solicitude mineira.

Cruzamos com uma pessoa que morava na região, que me indicou o caminho certo, bastava seguir o guia. Na bifurcação, pegamos a saída da direita, seguindo por uma estrada com mais cascalho. Esperamos ele deixar uma encomenda em uma fazenda e íamos bem até o carro engastalhar em outra subida enlameada. O rapaz ainda saiu do carro, tentou nos sugerir um trajeto, porém infrutífero. Agradecemos a ajuda, mas resolvemos voltar para a rodovia.

No caminho da volta, justamente na porta da fazenda, dei um toquinho no freio e o carro caiu na vala.

Eu e Carol nos permitimos um pequeno momento de “e agora, José?” e decidimos ir até a fazenda pedir ajuda. Era a única chance de sair da vala em tempo hábil.

Andei um pouquinho, me apresentei e expliquei a situação para a turma que trabalhava lá. Eles estavam abrindo um porco para fazer um churrasco e a ceia de natal, ou seja, ainda atrapalhei a tarde do sábado.
Na hora, Marcelo, um dos funcionários, se prontificou a ajudar. Entramos na Toyota Hilux da fazenda e voltamos ao ponto onde Carol, Samuel e Stella estavam. Carol assume o volante, amarramos uma corda, Marcelo tenta puxar com a Hilux e o único avanço é na corda, que arrebenta.
“Peraí que vou buscar o trator”, disse Marcelo, embarcando na caminhonete e sumindo da vista. Minutos depois, apareceu a bordo de um trator vermelho, que me fez lembrar do veículo que o vovô Pancho tinha em Arantina.
A própria chegada do trator parecia cena de filme: aparecendo no horizonte, com o reflexo do sol no vidro. Faltou só uma trilha sonora para tudo ficar completo. E tal qual um O fato é que com uma cinta de reboque e o mínimo esforço do trator, nosso carro saiu da vala e pudemos seguir viagem.

Pra nós, era imperativo poder recompensar o esforço do Marcelo de alguma forma. E ele negou de forma enfática. “Fiquem em paz, aproveitem a família e o final de ano. Sigam com Deus“. Foi bonito e foi um alívio para o resto da viagem, que só terminou no dia seguinte. Acabamos passando a noite em Três Corações.

Descrente como estou com a raça humana e nossa capacidade empática, a atitude do primeiro motorista e a disponibilidade do Marcelo serviram como uma gentil lembrança para ainda acreditarmos em nós enquanto espécie. 🙂

Prática + Repertório = Saber Improvisar. Pode ser a capacidade de resolver o problema com os recursos disponíveis, ou como em um solo, pegar um outro caminho e depois voltar para a estrada principal.) Repertório + Improvisação = Aperfeiçoamento da Prática. Ser melhor naquilo que fazemos todos os dias. Saber Improvisar + Prática = Criação de Repertório. Aumentar a caixa de ferramentas e soluções, seja para o dia a dia, seja para gerar inovação.
Círculo Musical da Resolução de Problemas

O Círculo Musical da Construção de Soluções

Esta imagem nasceu a partir do comentário que deixei no Linkedin de um ex-colega de trabalho sobre preparo e resiliência para a resolução de problemas. Transpus para o papel e depois para o computador, mostrei para parte do meu conselho consultivo – Carol Brant, Paula Basques, Eduardo Loureiro, Ricardo Ponsirenas e Diego Mancini – e acolhi as observações. Saiu isso aqui:

 

Prática + Repertório = Saber Improvisar. Pode ser a capacidade de resolver o problema com os recursos disponíveis, ou como em um solo, pegar um outro caminho e depois voltar para a estrada principal.) Repertório + Improvisação = Aperfeiçoamento da Prática. Ser melhor naquilo que fazemos todos os dias. Saber Improvisar + Prática = Criação de Repertório. Aumentar a caixa de ferramentas e soluções, seja para o dia a dia, seja para gerar inovação.

Círculo Musical da Construção de Soluções

Por que a experiência de tocar em uma banda é importante?

Prática + Repertório = Saber Improvisar. Pode ser a capacidade de resolver o problema com os recursos disponíveis, ou como em um solo, pegar um outro caminho e depois voltar para a estrada principal.

Repertório + Improvisação = Aperfeiçoamento da Prática. Ser melhor naquilo que fazemos todos os dias.

Saber Improvisar + Prática = Criação de Repertório. Aumentar a caixa de ferramentas e soluções, seja para o dia a dia, seja para gerar inovação.

Publiquei no LinkedIn, fiquei feliz com a velocidade que a ideia saiu da cabeça e ganhou “vida”. Porém, minutos depois que publiquei, recebi uma uma observação muito importante do Diego via whatsapp. Copio abaixo, com uma pequena edição de texto.

Sobre essa imagem acima, o meu tripé seria: prática – repertório/improviso – silêncio.

Saber improvisar e repertório são a mesma coisa, na minha cabeça, pelo menos. Você só improvisa se tem repertório.

E o silêncio pra mim é aquela diferença entre ouvir e escutar. Saber a hora de calar a boca é fundamental na música e na vida.

Quando você escuta, isso é treinamento auditivo, ou seja, prática. Além disso, te dá repertório, o que significa improviso. E escutar te ajuda a situar o que pode ser usado da prática. Então entra nessa retroalimentação que você falou.

Fiquei pensando sobre essa observação e pensando que os dois tripés fazem sentido, se alternam e se modificam ao longo da nossa jornada.

Também fiquei pensando no detalhamento de cada um desses itens. Em breve.

Leia sobre:

O Círculo Musical da Construção de Soluções – Prática

O Círculo Musical da Construção de Soluções – Repertório

A ponte

Outro dia, Tito leu algo como “Não se preocupe em queimar pontes, decisões irreversíveis tendem a ser mais satisfatórias, porque agora há apenas um caminho a percorrer: aquele em direção à decisão tomada”. Parecia fazer sentido à decisão tomada anos antes: eliminar algo descoberto por acaso, que dormia e acordava com ele. De maneira sorrateira, um dia resolveu aparecer.

De certa forma, a outra opção era esperar a ponte ser queimada antes da sua chegada, de modo que a toda a sua boa vida de cortesia, de sorrisos e afagos sinceros mas que escondiam dores e angústias, acabariam ali.

E por isso, parar ou a ideia de parar, fez Tito continuar, passar a ponte e depois queimá-la. Isso resolveria um problemão, isso seria a garantia de que tudo ficaria joia, certo e garantido no futuro.

Sua aposta, aliás, seria errado dizer aposta… sua decisão quase passiva de atravessar e queimar deu meio certo. O problemão foi resolvido, mas o futuro (ou o presente) é (são) tão incerto(s), que as dores e as angústias persistem. Ou se amplificam, quando Tito pensa em quanto tempo resta, o que pode ser feito na vida, como prover e retribuir todo o carinho que recebe.

Ninguém tem essas respostas, na real. E poucas pessoas podem viver essa vida “de fronteira”, experimentar – a contragosto – a ideia do rompimento da continuidade da vida, ser de antes e de agora, olhar pra trás estando (ou querendo estar) à frente. Muitas vezes, um estrangeiro no próprio tempo. À época, Tito achou que já havia falado tudo o que era possível sobre a ponte queimada.

O que ele realizou é que só está começando.

(Foto em Colônia do Sacramento, 2022)

Peça final.
Peça final.

Quando transformei o surdo da minha bateria em um bumbo

(ou como fiz a reunião de duas das minhas “mad skills“*.)

Há alguns dias, eu compartilhei no Instagram e com alguns amigos uma experiência que eu fiz com a minha bateria. Creio que vale a pena trazer para a perenidade do blog, fugindo da efemeridade de um Instagram.

Em setembro de 2020, num processo para aprender um pouco mais sobre marcenaria, fiz um suporte para transformar o surdo de 16 polegadas da minha bateria em um bumbo. Uma breve explicação: em um kit de bateria, o surdo é o tambor que usualmente fica no lado oposto da caixa e do chimbal. O bumbo é o maior tambor do kit que é tocado com um pedal, veja a imagem abaixo.

Uma explicação das peças e meu ponto de vista no kit de bateria | Foto: Arquivo pessoal.

Fiz isso por alguns motivos: ter um bumbo menor para diferentes oportunidades; explorar um kit minimalista (minha inspiração é a música “Introducing the Fearless Flyers” com o Nate Smith na bateria) e, por último, no mundo fechado que vivia durante a pandemia, na divisa entre Itabirito e Nova Lima, aproveitar a oficina do João Lacerda para aprender marcenaria**.

Uma premissa era criar algo que fosse fácil de ser montado, desmontado e transportado. O principal ponto de um kit menor é que ele seja mais portátil do que um kit convencional. (Quando morava em Belo Horizonte, eu tinha uma logística refinada para colocar a minha bateria dentro do Fiat Palio da residência).

Outra premissa era utilizar somente os materiais disponíveis na oficina naquele momento: uma chapa de MDF, barras roscadas, porcas, dobradiças e espumas. E aí comecei a aventura em meio às serras e lixas.

Para fazer o encaixe, eu medi a distância entre duas das canoas de afinação do tambor, fiz o corte em curva seguindo a circunferência. Em seguida, cortei na altura onde o batedor do meu pedal ficasse centralizado no tambor. Coloquei as espumas para diminuir o atrito entre o tambor e o suporte e também para dar mais firmeza entre o suporte e o pedal. Cortei as barras roscadas seguindo a altura (ou comprimento) do tambor para unir as peças de modo que qualquer pessoa consiga montar. O modelo final foi esse.

Fiquei satisfeito com o resultado. No processo, ganhei mais familiaridade com algumas ferramentas: a serra circular para grandes cortes, a serra tico-tico para as curvas e a tupia para alguns detalhes e acabamentos.

Cheguei a testar uma vez quando voltei para São Paulo. Toquei na sala de casa, no menor volume possível e com a pele e a afinação erradas. A ideia funcionava.

 

Faltava testar “em campo”. Fiz isso recentemente, no último ensaio do ano da minha prática de banda. Com uma pele mais grossa e um sonex (material para tratamento acústico) dentro do tambor, consegui um som muito bom, comparável aos bumbos maiores. Na ocasião, encaixei o tambor de qualquer maneira no canto do kit.

E nessa execução de “Windows”, música do finado pianista Chick Corea, dá para ouvir o bom som do tambor e como o suporte manteve tudo no lugar. Aproveitem os belos solos do baixista Luciano Vieira e do guitarrista Thiago Ceconi.

 

Estou ansioso para usar esse suporte e esse kit em uma situação mais intimista, um palco pequeno, só para diversão. Ou em uma vindoura edição do “Improviso para Não Músicos”, o workshop que criei com o Diego Mancini sobre jazz, criatividade, improviso e liderança.

Naturalmente, também feliz em colocar a mão na massa, juntar dois hobbies e tirar uma ideia do papel.

* A Forbes define mad skills como: “‘habilidades “incríveis’ ou ‘fora de série’, em português, que envolvem hobbies ou interesses pessoais e que fazem um profissional ser diferente e especial”. Gosto de pensar que “curiosidade” e “criatividade” impulsionam esses hobbies e interesses.

** Já posso colocar no meu currículo: fiz bandejas, tábuas de queijos, móveis e agora, instrumentos musicais.

Emoções e a complexidade do momento

Para papais e mamães, uma reflexão.

Com 36 dias de paternidade, eu achava que a definição de “tarefa complexa” era colocar o Samuel para dormir. Era uma “tarefa complexa” no nível “possível de ser usada como exemplo em palestras e facilitações”.

À época, escrevi: “É um misto de arte, improviso, racionalidade e lógica. Ao mesmo tempo, você nunca está necessariamente preparado para lidar com as infinitas possibilidades e desafios para a personalização do sono”. Não estava e não estou errado.

(Relembrando: Tarefas complexas não podem ser concluídas seguindo uma receita, um conjunto de instruções ou mesmo uma lista extensa de regras e regulamentos.)

Agora, no dia 476, estou mais acostumado com a tarefa acima e explorando a próxima fronteira da complexidade: entender e responder à gama de reações, formações e expressões de sentimentos de um rapaz de 15 meses de idade. A famosa regulação emocional, onde o Samuel está aprendendo a lidar com suas emoções básicas, é também um convite para nós, adultos, revisitarmos como lidamos com as nossas emoções e reações.

Porque perder a paciência (e a razão) é fácil quando somos “provocados”. Seja numa reunião de trabalho, em uma discussão ou em uma birra. Com a diferença que na birra, a criança não te provocou conscientemente, por isso as aspas. E de novo, é fácil e tentador responder a birra com birra. E o meu cansaço/sono/dilemas da vida adulta podem ser catalisadores dessa resposta, mas isso não vai ajudar ou resolver o problema.

O desafio é praticar a calma e o estado zen em meio ao caos, seja ele causado pelo sono (complexidade em cima de complexidade), por algum incômodo onde a única forma de comunicação é o choro, ou simplesmente porque a curiosidade e a criatividade do neném foram tolhidas.

Nesse ponto, aprendo bastante com a Carol e suas frases. “Filho, eu sei que você está frustrado, mas é preciso comer”, “Samuel, não vamos fazer isso agora”, “Sei que você quer entrar aí, mas é perigoso pra você”. No médio e longo prazo vai valer a pena. 🙂

É cansativo? É. Dá trabalho? Com certeza. Mas penso que faz mais sentido curtir e aprender com a complexidade atual, ao invés de querer descobrir ou prever qual será a próxima nesse marzão de surpresas chamada parentalidade.

 


 

PS: esse texto saiu com relativa facilidade porque experimentei o método descrito pela Lindy Elkins-Tanton em seu artigo Getting Over Procrastination and Making Joyful Progress on Your Project (“Superando a Procrastinação e Fazendo Progresso Prazeroso no Seu Projeto”). Os 10 minutos de escrita foram sem amarras, edições ou julgamentos. Ajustei e repeti. Deu certo.

Carregando água na peneira

Há alguns dias, estive em Brasília acompanhando uma reunião de formadores do SESI. No meio da reunião, fui surpreendido por um poema do Manoel de Barros: “O menino que carregava água na peneira“. É ele falando sobre ele mesmo e também sobre criar, sobre imaginar e sobre escrever.

(…)

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.
Com o tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.

(…)

Fui surpreendido porque não esperava que Manoel aparecesse ali, de maneira tão sensível em uma formação. Ele tem aparecido bem mais na minha terapia ao ponto de eu comentar com a Fátima, minha psicóloga, que vou abrir uma espacinho para ele junto do Prince, do Gilberto Gil e do Dave Matthews no final da frase “para todas as coisas”.

Na hora que ouvi o poema e vi a reação das pessoas, meus olhos ficaram que nem estão agora: marejados. Olhei pra mim também, porque estou tentando carregar mais água na peneira. Estou fazendo isso como uma descoberta, como um processo de cura.

Cura da depressão, se me permitem a licença poética. Cura dos pensamentos horríveis que ocupam a minha cabeça toda vez que leio as notícias, ou quando percebo o quanto maluco tem sido o meu ano de 2024, ou quando entro na corrida imaginária da comparação.

Preciso escrever e criar mais. Parar com os arroubos de autodepreciação – “fui formalmente treinado para isso”- quando alguém me diz que gostou de um texto. O “obrigado” funciona na medida. Porém, fazer essa escrita com mais intenção.

Criei esse blog há 22 anos, muito inspirado por pessoas incríveis que trabalhavam comigo e que eu achava o máximo. Virou meu depósito de registros na transição da adolescência para a vida adulta. Porém, relendo alguns textos bem antigos, eu não tenho a menor ideia do que eu estava falando. Por que esse medo todo de expor os sentimentos?

Carregar água na peneira é também organizar e expressar os sentimentos de uma melhor forma. Um dia, eu vou ler o que escrevi há 20 anos e vai ser legal saber que eu estava lutando contra uma depressão pesada e venci. Sem precisar ficar pensando se estava chorando um coração partido ou era só uma forma bizarra de escrever ficção.

É espalhar as coisas da cabeça nos espaços vazios do caderno, tal qual a água quando passa pelas tramas. Sentir, dar espaço para o novo e tentar achar alguma paz no meio do turbilhão dos dilemas, despropósitos e peraltagens.

 

Baby Steps

A versão 1.2 do Samuel veio com uma nova e importante funcionalidade: andar sozinho.

Ele já caminhava segurando com firmeza os dedos dos adultos. E isso deixou duas atividades matutinas mais divertidas: comprar pão e levar Stella, a whippet, para passar o dia no pet shop. Saímos do prédio, atravessamos a rua, “pouso” o rapaz na calçada seguinte e vamos caminhando lentamente. A mãozinha direita nos meus dedos esquerdos, a mãozinha esquerda apontando os “Cá”(rros), as “Mó”(tos), os “Au-aus” (cachorros, só para manter o padrão da escrita) que passam pela rua e cumprimentando as pessoas, porque Samuel é um boa praça.

Há quase duas semanas, no entanto, ele decidiu que consegue caminhar sem precisar segurar nossos dedos. Sozinho, sai caminhando pela casa com os bracinhos pra cima. “Como um corredor prestes a ganhar a maratona”, disse o Celinho no grupo de whatsapp dos amigos de escola. Um pouco de independência, folga para os braços e coluna dos adultos e confiança no processo. Algo mágico vai proteger sua cabeça das quedas e esbarrões.

Os passeios da manhã continuam seguem o mesmo procedimento, com a diferença que deixo ele caminhar pelo hall e corredor do prédio. Na rua, andar de mãos dadas é imperativo e continuará sendo pelos próximos anos. Mas isso não impede, no entanto, de termos algumas surpresas no caminho.

Outro dia, voltando da padaria, ele ficou encantado com a fonte do prédio da esquina. Parou de andar, apontou para para o topo enquanto falava “áua, áua” e foi se aproximando de mim, pedindo colo para ver a fonte mais de perto.

No dia seguinte, enquanto voltava do pet shop, tentou se desvencilhar da minha mão para dar um rolê no supermercado. Não deixei, ele reclamou e começou a chorar. 30 segundos depois, ficou ainda mais bravo quando peguei ele no colo. Ele queria atravessar a rua caminhando.

Se eu levar em consideração o meu histórico, é provável que ouvirei do Samuel exatamente o que falava para meus pais quando era contrariado aos cinco anos de idade. “Nunca mais vou ao shopping com vocês! Nunca mais saio para tomar sorvete com vocês”.

Um lembrete pra mim mesmo sobre como é desafiador aprender (e ensinar) sobre expressão de sentimentos. Um passinho de cada vez.