Carregando água na peneira

22 de novembro de 2024
Posted in Divagações
22 de novembro de 2024 Felipe

Carregando água na peneira

Há alguns dias, estive em Brasília acompanhando uma reunião de formadores do SESI. No meio da reunião, fui surpreendido por um poema do Manoel de Barros: “O menino que carregava água na peneira“. É ele falando sobre ele mesmo e também sobre criar, sobre imaginar e sobre escrever.

(…)

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.
Com o tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.

(…)

Fui surpreendido porque não esperava que Manoel aparecesse ali, de maneira tão sensível em uma formação. Ele tem aparecido bem mais na minha terapia ao ponto de eu comentar com a Fátima, minha psicóloga, que vou abrir uma espacinho para ele junto do Prince, do Gilberto Gil e do Dave Matthews no final da frase “para todas as coisas”.

Na hora que ouvi o poema e vi a reação das pessoas, meus olhos ficaram que nem estão agora: marejados. Olhei pra mim também, porque estou tentando carregar mais água na peneira. Estou fazendo isso como uma descoberta, como um processo de cura.

Cura da depressão, se me permitem a licença poética. Cura dos pensamentos horríveis que ocupam a minha cabeça toda vez que leio as notícias, ou quando percebo o quanto maluco tem sido o meu ano de 2024, ou quando entro na corrida imaginária da comparação.

Preciso escrever e criar mais. Parar com os arroubos de autodepreciação – “fui formalmente treinado para isso”- quando alguém me diz que gostou de um texto. O “obrigado” funciona na medida. Porém, fazer essa escrita com mais intenção.

Criei esse blog há 22 anos, muito inspirado por pessoas incríveis que trabalhavam comigo e que eu achava o máximo. Virou meu depósito de registros na transição da adolescência para a vida adulta. Porém, relendo alguns textos bem antigos, eu não tenho a menor ideia do que eu estava falando. Por que esse medo todo de expor os sentimentos?

Carregar água na peneira é também organizar e expressar os sentimentos de uma melhor forma. Um dia, eu vou ler o que escrevi há 20 anos e vai ser legal saber que eu estava lutando contra uma depressão pesada e venci. Sem precisar ficar pensando se estava chorando um coração partido ou era só uma forma bizarra de escrever ficção.

É espalhar as coisas da cabeça nos espaços vazios do caderno, tal qual a água quando passa pelas tramas. Sentir, dar espaço para o novo e tentar achar alguma paz no meio do turbilhão dos dilemas, despropósitos e peraltagens.

 

Comments (3)

  1. Paula

    Não sei há quanto tempo de digo isso, mas é sempre bom dizer: eu amo seu texto, a fluidez das ideias, as analogias, o humor para lá de refinado e inteligente. Escreva, Felipe, escreva! Beijos!

    • Carolina Brant

      Foi o seu texto mais poético, leve e profundo ao mesmo tempo, que já li. Por isso amo cada vez mais o que você escreve e como escreve.

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