O Círculo Musical da Construção de Soluções – Prática

8 de janeiro de 2025
8 de janeiro de 2025 Felipe

O Círculo Musical da Construção de Soluções – Prática

O Círculo Musical da Construção de Soluções nasceu de um comentário no Linkedin e é baseado na minha formação, experiência e vivências profissionais e nas minhas vivências como baterista semiprofissional. Tocar com diferentes pessoas e em diferentes situações, me ajudou a criar uma bagagem de recursos diversos relacionados à criatividade, colaboração e aprendizagem que consigo transferir para outros aspectos e cenários.

O objetivo desta série de artigos é detalhar cada um dos quatro elementos que compõem o círculo: Prática, Repertório e Improvisação, além do bônus Silêncio. Vou trazer exemplos da minha jornada, referências e trechos de entrevistas de artistas e dicas para aplicar a “mentalidade musical” na construção de soluções no dia a dia das organizações.

Sobre Prática

Dentro do Círculo Musical, eu entendo que a definição de Prática é “como usar bem o meu instrumento em prol da música e das outras pessoas”, buscando incrementos que facilitam a execução e abrem novas possibilidades para estes ofícios.

Existe uma grande diferença entre tocar sozinho e tocar com outras pessoas, por mais óbvio que isso possa parecer. No olhar da aprendizagem, são duas atividades benéficas e que se retroalimentam. Tocar sozinho é um momento de estudo, de refinamento de técnica, de exploração e experimentos sonoros. Na bateria, você pode fazer isso de diversas formas: tocando junto com uma música, estudando em pads ou no próprio kit, lendo e interpretando partituras, praticando rudimentos…

Tocar em uma banda é a oportunidade para colocarmos os experimentos e estudos em campo. E também um exercício constante de habilidades comuns a qualquer ambiente profissional: empatia, comunicação, negociação, gestão de conflitos, liderança, escuta ativa, criatividade e capacidade de gerar novas ideias, por exemplo.

O primeiro ensaio é um desafio para a pessoa novata, tal qual o primeiro dia na firma. Passei por experiências similares na minha primeira banda e no meu primeiro emprego. No Álamo, eu era o baterista de uma banda de covers do pop rock brasileiro dos anos 1980. Na Lazo, eu transformava arquivos do Photoshop em HTMLs para sites.

07/08/1999. A bateria montada de qualquer jeito no meu quarto.

Em ambos os casos, eu tinha os fundamentos, mas talvez não soubesse a melhor forma para aplicá-los dentro dos respectivos contextos profissionais. No meu mundo das analogias, eu parei de praticar um esporte individual e comecei a jogar um esporte coletivo.

Bandas e organizações são esportes coletivos. E mesmo quando você estiver praticando os fundamentos de um esporte coletivo em casa, emulando sozinho todos os movimentos do jogador e se sentindo confortável com isso, na hora que aparece alguém para jogar junto, tudo muda.

E nas bandas e nas organizações, precisamos entender dinâmicas, rituais, processos, fluxos para conseguirmos fazer um bom trabalho. E é preciso muita orientação e gentileza das pessoas mais experientes com as novatas, para que esse trabalho aconteça de uma forma mais fluida.

E quais são os desafios em uma banda?

Na minha experiência, são quatro coisas fundamentais para termos um bom ambiente para a prática de uma banda: estar em dia com seus fundamentos, repetição, curiosidade e gentileza.

Estar em dia com os seus fundamentos é estudar o instrumento e o repertório da banda, para que as horas de ensaio sejam melhor aproveitadas. Aqui, estabelecer combinados é um passo importante. Se você está ensaiando um repertório novo, então, quantas músicas novas serão tocadas por ensaio? Já toquei com um artista que definia grupos de três músicas. Em sete ensaios, conseguimos passar por todo o repertório e utilizamos os seguintes para passar o show inteiro.

Estudar o instrumento traz novas ideias, torna algumas tarefas mais fáceis e traz segurança para a execução em grupo. E aí entra a repetição.

Repetição. Tocar em uma banda e fazer shows significam executar a mesma coisa incontáveis vezes, mas nem sempre com o mesmo resultado, porque estamos lidando com pessoas no palco e na plateia. Nos ensaios, a repetição gera confiança. No vídeo abaixo, Jennifer Batten, guitarrista em duas turnês do Michael Jackson traz elementos do estudo e da repetição.

Após ser aprovada na audição, a banda ficou um mês ensaiando sozinha, sem a presença de Michael Jackson. No período, havia experimentação e ajustes de sons, momentos para as pessoas se conhecerem e tornarem-se próximas. Somente no segundo mês, Michael apareceu. E a dica do produtor era “se ele gostar do som, vai começar a dançar”. Logo no começo do ensaio, o artista fez alguns passos. E os ensaios seguiram por mais outro mês inteiro.

Segundo Jennifer, as horas de prática ajudaram a banda a manter a compostura diante de estádios lotados. “Essa é uma das lições que digo às pessoas. Nunca senti que estávamos ‘super ensaiados’. Sempre que tínhamos uma oportunidade, estávamos ensaiando”.

O terceiro elemento pra mim é a curiosidade, ou seja, ter abertura às novas ideias, à exploração e às observações das pessoas que estão tocando conosco. Isso significa uma lista de coisas:

  • Ouvir, estudar e entender os artistas que você gosta e entender como você consegue incorporar elementos em sua prática;
  • Trocar ideias com outras pessoas que também tocam um instrumento sobre interesses em comum ou conexões inusitadas. Um baterista de jazz e um baterista de heavy metal podem ter mais coisas em comum do que imaginamos. E isso vale para outros segmentos. Em seu livro “Something to Food About“, Ahmir Questlove Thompson, baterista, produtor, diretor e ganhador do Oscar, afirma que músicos e chefs de cozinha trabalham sob os mesmos princípios criativos, mas com nomes diferentes.
  • Se possível, toque com a maior quantidade de pessoas e a maior quantidade de estilos possíveis. Isso é fundamental na expansão da sua “caixa de ferramentas” de técnicas e das habilidades relacionais e criativas. Transitar entre pop, rock, blues, funk e jazz me ajudou a entender o meu papel nas bandas e como eu posso facilitar o papel das outras pessoas.
  • Na hora da criação e composição de uma música própria, cabeça aberta para ouvir e dar ideias em um campo aberto de possibilidades.

Finalmente, a gentileza. Nove entre dez músicos profissionais irão afirmar sobre a importância de ser uma boa pessoa. Isso vale no estúdio, no palco, e vale também no escritório, na indústria, em qualquer lugar. Se você é a pessoa mais experiente no espaço, mostre o caminho para que as pessoas menos experientes sintam-se confortáveis para fazer perguntas, dar ideias ou fazer sugestões. A tomada de decisão fica muito mais fácil nesse sentido.

Entender e estabelecer formas de comunicação eficazes e simpáticas com as pessoas é fundamental. Sejam as verbais, na hora de sugerir uma música, correção de rota, opinião sobre uma levada, um solo ou uma letra. Ou as não-verbais: trocas de olhares e sinais com as mãos no meio das músicas. Faça isso com cortesia e firmeza.

Há uns seis ou sete anos, vi o alívio de um baixista novato na minha banda de jazz, quando o professor, percebendo seu desconforto, perguntou gentilmente: “você está entendendo onde estamos na música?”. A resposta, “não”, saiu como um pedido de ajuda e um agradecimento por alguém ter mostrado a direção.

Lembrei também do meu primeiro dia de trabalho, quando o programador mais experiente me pegou praticamente pela mão e disse: “vou te mostrar como fazemos aqui”. Em um lugar onde o onboarding era o famoso “vai, se vira, e faz”.

Afinal, ninguém quer trabalhar (ou tocar) com um sujeito que afirmava por todo o escritório: “o único jeito de fazer as coisas é o meu jeito”. A empresa seguiu, ele ficou pelo meio do caminho.

Temos muito a explorar ainda dentro do Círculo Musical da Construção de Soluções. Espero que tenham gostado do conteúdo sobre Prática. Adoraria ouvir a opinião de vocês.

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