Quatro anos

3 de maio de 2025
3 de maio de 2025 Felipe

Quatro anos

Em 3 de maio de 2021, minha cabeça foi aberta para retirar um tecido tumoral de 5,5 cm x 4,4 cm x 3,1 cm. A biópsia mostrou que tratava-se de um astrocitoma de baixo grau com mutação do IDH 1. Foi uma cirurgia que se estendeu até pouco depois da meia noite do dia seguinte. Dois dias depois, abri a cabeça de novo para retirar uma rebarba desse tecido. Tive alta no quinto dia de hospital. Não precisei de nenhuma terapia adjuvante, seja quimio ou rádio. Só domava a minha claustrofobia nas ressonâncias magnéticas que eram trimestrais, depois quadrimestrais e então, semestrais.

Escrevi muito sobre esse processo, dos sintomas às cirurgias, aqui no blog. E o fato de ter escrito esse tanto não significa que não há mais o que dizer. Sempre há.

Na semana passada, em mais uma consulta de rotina, fui informado de que as minhas ressonâncias agora serão anuais. E pela primeira vez, ouvi e li a palavra “remissão total”. Fiquei feliz. Na época do diagnóstico e da cirurgia, imaginava que não precisaria fazer mais planos, porque a vida iria acabar. Foi duro imaginar que não iria cruzar essa ponte.

Quatro anos depois, fiz um bocado de planos, pus alguns deles pra frente e sinto que posso planejar e fazer mais. Acho legal e divertido contar do papo que eu bati com o anestesista sobre propofol segundos antes de ser sedado e de como é ser acordado no meio de uma cirurgia dessas. Fico feliz em saber que o vídeo que gravei para o canal Terminal, da querida Dani Louzada, ajudou algumas pessoas.

E não tem um dia que eu não penso nas pessoas. Sempre leio as mensagens que recebi no grupo de whatsapp que foi nossa central de notícias. Tanta gente que acompanhou esse capítulo da minha vida. e que sofreu junto, torceu, orou e celebrou comigo.

Ao mesmo tempo, todos os dias eu lembro do Miguel Thompson e do Bruno Guedes, amigos também acometidos por tumores cerebrais e que partiram cedo demais. Penso que posso ser um ouvido e um abraço amigo para aquelas pessoas que estão passando ou conhecem quem passa pelo que passei.

Porém, sinto o local da minha cirurgia toda vez que eu penso em “tempo”. Quanto tempo me resta? Quanto tempo isso (que pode ser qualquer coisa) vai demorar para ser feito? Vou conviver com o Samuel o tanto que meus pais convivem comigo?

Sinto medo e angústia quando percebo que a retirada do tumor não levou junto o dilema da comparação, o receio em me posicionar, em emitir opinião com medo de estar errado (ou certo), a distração.

Entendo que não é errado pensar sobre os dois últimos parágrafos. Porém, sinto que não deveria dar tanto espaço para esses pensamentos, especialmente porque me deixam parado, quando devemos estar sempre em movimento.

Nisso, lembro da mensagem que recebi do meu tio-avô Simão, logo quando tive o meu diagnóstico. Ele era irmão da vovó Teteca, tio da mamãe e um homem absolutamente criativo, talentoso e contador de histórias e que faleceu há pouco mais de dois meses. Compartilho abaixo:

“Flíper”, meu “boto” sobrinho neto. Um homem talentoso, gentil, e em pleno andar nesta vida cheia de surpresas. Agache, pegue esta pedra com as duas mãos e a coloque ao lado do caminho para que ela não te assuste mais no retorno da sua caminhada. E, na volta, ao revê-la, você vai perceber que antes ela te gerou muita agonia mas que nesta hora você perceberá que ela não demandava tanta preocupação. O melhor da festa é esperar por ela. E a festa acontece e passa. O pior da cirurgia é o medo que ela causa , até que você opere e se restabeleça. Tenha calma e fé. Isto só vai enriquecer a sua biografia. Um beijo, relaxa e boa caminhada🌹

Li essa mensagem novamente na semana passada e fez um sentido tremendo. Há quatro anos, peguei essa pedra com as duas mãos e coloquei na margem da estrada. Ela me gerou agonia, enriqueceu a minha biografia. Me reestabeleci. Para a velhice que vou, preciso aprender a não ocupar tanto a cabeça com as preocupações que me tornam estático.

Não é fácil, mas o caminho se faz é caminhando.

Comments (6)

  1. Cida

    Felipe, te amo, comemoro e agradeço compartilhar a vida com você todos os dias viva a vida!

  2. Marcos Arthur

    Lindeza, meu irmão. Que venha muita estrada pela frente, cheia de flores. As pedras a gente vai colocando de lado.

  3. Cleuza Repulho

    Quando eu penso que li um texto lindo, vem vc com um melhor. Te amo viva muito e bem bju

  4. MARIA DE SALETE LACERDA ALMEIDA E SILVA

    Felipe, sobrinho querido, lição de vida pra nós todos, que continuamos por aqui.
    Todos os seus sentidos conspiram a seu favor, nos momentos leves e nos difíceis. Acho que é porque você não sufoca o que sente, não finge que não está sentindo.
    Vê a pedra no meio do caminho, se abaixa e pega, pra tirar do seu caminho.
    Você ilumina seus caminhos. De vez em quando a gente pega carona, ou vê e aprende.
    Estou aqui, pra estarmos juntos e de mãos dadas.
    E você com as companhias maravilhosas, corações de mãos dadas de Carol e Samuel.
    Amo e admiro vocês!

  5. Tia Eti

    Sobrinho querido, que me mandou hoje uma linda msg de aniversário. Vc e Natália são um pouco meus filhos também. Desejo que vc resolva essas questões paralisantes e siga feliz a sua jornada de amor e saúde.

  6. Bruno Pontes

    Meu querido e saudoso “Mayhem”. Obrigado por compartilhar sua luta, sua dor, e sua vitória. Saudades do Bob.

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