Acho muito legal quando pessoas boas no que fazem conseguem refletir sobre como fazer melhor. Recentemente, assisti a um episódio do podcast “Calm Down“, feito pelas jornalistas norte-americanas Erin Andrews e Charissa Thomson, com a presença do ex-jogador de futebol americano Richard Sherman. Nesse episódio, Erin falou sobre o que faria diferente na entrevista feita com o jogador há dez anos, e que entrou no panteão das mais icônicas no esporte.
Mas… do que estamos falando?
Em 19 de janeiro de 2014, o Seattle Seahawks venceu o San Francisco 49ers na final da Conferência Nacional da NFL, carimbando sua passagem para o Super Bowl, a final da competição. O jogo foi decidido no último lance, em uma jogada envolvendo o próprio Richard, que atuava pelo Seattle, e seu adversário Michael Crabtree. Além de ótimos jogadores, os dois tinham uma rixa pregressa e trocaram cutucões na semana que antecedeu a partida.
A entrevista e a repercussão
Como em qualquer praça esportiva, o final do jogo deu início ao fuzuê habitual: bagunça, comemoração e repórteres correndo atrás dos jogadores e comissão técnica para conseguirem entrevistas, reações e histórias. Geralmente, essas entrevistas seguem o mesmo roteiro e têm o mesmo conteúdo em qualquer esporte praticado no planeta Terra: “A equipe unida trouxe um bom resultado”, “Méritos para a torcida por ter nos ajudado”, “Foi um jogo difícil, respeitamos o adversário e conseguimos o resultado positivo”, “agora é erguer a cabeça e trabalhar firme no ano que vem…“
Nesse espírito, Erin se aproxima de Richard para entrevistar a pessoa fundamental para o desfecho do jogo. Ela (e todas as pessoas que estavam assistindo) não tinham ideia da fúria do atleta, que precisou de 30 segundos para dar uma entrevista visceral.
Confira abaixo junto com a transcrição em português:
Erin: Richard, deixe eu te perguntar, a última jogada, me descreva ela.
Sherman: Olha, eu sou o melhor defensor desse esporte! Quando você me testa com um recebedor ruim feito o Crabtree, esse é o resultado que você tem! Jamais falem de mim!
Erin: Quem estava falando de você?
Sherman: Crabtree! Não abra sua boca pra falar do melhor! Ou eu vou fechá-la rapidinho! L-O-B*!
Erin: Tudo bem, antes… E Joe, é com você!
(*LOB era a abreviação de Legion of Boom, o apelido dado à linha secundária de defesa do Seattle, onde Sherman atuava)
Por dias (e anos), a repercussão da entrevista foi imensa. Menos pela rixa entre Crabtree e Sherman e mais – muito mais – pela reação do atleta, incluindo a ideia de que ele estava puto das calças com a emissora e que foi agressivo e ameaçador com Erin Andrews. E são incontáveis as vezes onde a própria repórter disse que sabia sobre quem Richard estava falando, que a sua expressão não era de medo e sim de surpresa, que ela já conhecia o jogador e que sempre houve muita cordialidade entre os dois.
No entanto, Erin disse que faria uma coisa diferente na entrevista…
O podcast
Pois bem, no episódio em questão do podcast, Charissa pergunta à Erin porque ela tem vontade de refazer a entrevista. A resposta está no ponto do vídeo, junto com a transcrição abaixo.
“Minha primeira pergunta foi horrível: ‘Richard, deixe eu te perguntar, a última jogada, me descreva ela‘. (…) Eu deveria ter falado ‘o que aconteceu?‘ e não ‘me descreva‘. Isso não é nem uma pergunta! (…) Minha cara, e eu disse isso o tempo todo, não era como ‘Oh meu Deus, oh meu Deus, ele está me assustando, estou assustada, esse atleta está gritando comigo‘. Não! Foi ‘isso é incrível, isso nunca aconteceu, as pessoas vão enlouquecer porque isso está acontecendo.’
(…)
Mas, será que ele disse Crabtree? Porque eu sei que foi Crabtree, os locutores sabem que foi Crabtree, mas não quero que o público pense que ele está gritando comigo. Eu sei que ele não está dizendo isso. (…) Mas o que eu deveria ter feito, era não ter virado a fã de esportes e perguntado ‘quem está falando sobre você?’, e sim ‘do que você está falando?’“
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Achei muito interessante essa reflexão e a preocupação da jornalista com o que importa: a informação. Uma simples troca de perguntas talvez não fizesse diferença no resultado da entrevista e com certeza mudaria toda a sua repercussão. Saem as discussões sobre a visceralidade nas respostas de Sherman e entram as conversas sobre suas diferenças com Michael Crabtree.
Também nos sentimos mais próximos das pessoas experientes e que são muito boas no que fazem quando elas também avaliam seus erros. No caso específico de Erin Andrews, é uma oportunidade para entendermos quais são os desafios do ofício e também um convite para desenvolvermos uma habilidade que não é exclusiva do jornalismo: a de fazer boas perguntas.
Lembrei deste artigo da Harvard Business Review e também das (várias) vezes que fiz perguntas ruins, seja por medo, por confundir “pergunta” com “vontade de opinar” ou falta de repertório. Trago dois exemplos e o que fiz para contornar a situação.
O primeiro, quando ainda trabalhava com comunicação digital, estava desenhando a página de carreiras de uma organização e precisava saber qual era o perfil de profissional desejado pela companhia. Consegui minutos com o principal responsável pelas contratações e deveria ter perguntado a mesmíssima frase escrita na linha de cima: “qual era o perfil de profissional desejado pela companhia?“. Porém, imaginando que eu e ele estávamos alinhados, perguntei “qual tipo de pessoa você deseja contratar?”, o que deu margem para a resposta mais óbvia e que não resolvia meu problema. “As melhores”, ele respondeu e seguiu seu dia atribulado. O aprendizado: ser um pouco mais insistente, refiz a frase e pedi cinco minutos para que ele me explicasse.
O segundo exemplo aconteceu em um evento de trabalho, quando pude entrevistar um dos nossos palestrantes, o professor Mario Sergio Cortella. A excitação e o nervosismo ajudaram a produzir uma pergunta abstrata que ela saiu quase sem verbos, algo do tipo “a importância da gestão do conhecimento… qual é”. O aprendizado: com o entrevistado seguinte, elaborei uma pergunta e a repeti três vezes. As duas primeiras mentalmente e a seguinte em voz alta.
E a lista vai e vai. Nem sempre as circunstâncias ajudam, entrevistas ao vivo, reuniões de negócios e sessões de perguntas e respostas são situações complexas, onde não temos linearidade ou controle da situação. E fazer o exercício mental sobre “o que poderia ter feito diferente” não conserta o que aconteceu, mas dá repertório para situações futuras.
Da próxima vez que precisar fazer um bocado de perguntas, vou lembrar das reflexões da Erin Andrews sobre uma entrevista de 30 segundos. É um bom dever de casa para descobrirmos como fazer o trabalho ainda mais bem feito.
Paula B.
Uma das coisas mais difíceis ao se fazer uma pergunta: não querer opinar. Verdade, vou lembrar disso e juntar com o nao julgar.