30 de agosto de 2008 Felipe

Vitrines

O texto que segue é um artigo que fiz para a disciplina de Cenários Contemporâneos na Pós. Inicialmente achei que tinha ficado um lixo, mas depois de bem avaliado, comecei a olhar com olhos melhores para ele. Trata da semelhança entre as vitrines físicas e as vitrines eletrônicas.

A criação das vitrines resolveu um dos problemas da revolução industrial: o excesso de produção. E foi resolvido de uma maneira simples e prática, simplesmente com uma parede de vidro. Dessa forma, o produto ficaria a mostra, mas intocável. E para sentí-lo, só comprando-o. Além de resolver o problema dos produtores, as vitrines contribuiram para ampliar o desejo pelo consumo. Aquilo que está na vitrine é moda, precisa ser consumido. Pode significar também excesso de estoque e está ali para ser visto e ser comprado.

Esse modelo nos serviu muito bem até hoje. Durante toda a nossa vida, todos nós tivemos referências das coisas que estão do outro lado do vidro. Os brinquedos quando criança, as roupas e acessórios de casa na idade adulta.

E o conceito de vitrine e toda a sua “crueldade” como foi ainda mais explorado com a explosão do comércio eletrônico, dos canais televisivos estilo “Shoptime” e da internet. Ao observamos atentamente, logo de começo o “novo” modelo de vitrine tem uma grande vantagem, do ponto de vista de consumo, em relação ao modelo “tradicional”: não permite que o consumidor “sinta” o produto. Desta forma, até para saciar o tato, o sujeito precisa adquirir o bem.

Penso que as vitrines eletrônicas também potencializaram três características da hipermodernidade: o consumo do efêmero, o hedonismo e a diferenciação marginal. O consumo do efêmero talvez seja a mais latente. O excesso de informação e de anúncios que aparecem diariamente alimentam o nosso desejo por consumir cada vez mais. Para ficar no ambiente da internet, vejam como e impossível abrir um portal de notícias sem ter metade da tela ocupada por anúncios de toda a forma. A cada lançamento, um anúncio e a falsa noção de necessidade aparece. Dessa “necessidade” vem o hedonismo e a sensação de prazer ao efetuar a compra. Já a diferenciação marginal se dá pela facilidade que as redes virtuais proporcionam para as pessoas encontrarem seus grupos de identidade. E como estes grupos se reúnem e tem seus canais exclusivos de consumo, desta vez não só mercadológico, mas de cultura e comportamento.

Para estimular esse consumo, o uso da imagem em movimento e do testemunho são ferramentas fundamentais para satisfazer o consumidor. Do ponto de vista mercadológico, nada como demonstrar todas as funcionalidades de um produto e nada mais efetivo do que um sujeito que parece o seu vizinho para exercer esta função. Esses simples fatores potencializam o consumo, porque instantaneamente todos nós vamos precisar, por exemplo, de uma escada que pode ser montada de oito maneiras diferentes, de uma mangueira que ocupa pouco espaço quando inutilizada ou de um liquidificador caseiro de alta potência que consegue triturar pedaços inteiros de galinha e também, pasmem, bolas de golfe, iPods e iPhones (por sinal, outras dois símbolos do consumo do efêmero e do prazer momentâneo). No caso da escada, a propaganda utiliza situações do cotidiano como limpeza de vidros, afixação de quadros, troca de lâmpadas e lavagem do automóvel para demonstrar como tal escada facilitaria a vida de qualquer mortal. Já quando falamos do tal liquidificador, vemos o próprio dono da empresa triturando tudo o que ele vê pela frente, incluindo as peças supracitadas. Certamente é de se pensar que qualquer mortal precisa de um liquidificador como esse para fazer uma simples vitamina de frutas.

Do ponto de vista de comportamento e cultura, as vitrines eletrônicas proporcionam novas formas de interação e identificação com o produto. Um exemplo pertinente seria o NIKEiD, um recente lançamento da Nike. A chamada do site era: “Selecione os materiais, escolha a cor e o modelo para expressar seu visual”. Basicamente, qualquer pessoa pode entrar no site (http://nikeid.nike.com) e personalizar um modelo de calçado ou vestimenta, tanto para si como para sua equipe, grupo, etc. Outro exemplo é a grife de moda urbana Ecko. Moda urbana seria também uma boa maneira de expressar a diferenciação marginal. É consumida por pessoas jovens, que, teoricamente, adotam uma postura rebelde e descompromissada com as “regras” da moda. Como símbolo dessa rebeldia, a Ecko lançou um vídeo na internet onde um sujeito burlava a segurança de uma base aérea norte-americana e pixava a frase “Still Free” em uma das turbinas do Air Force One, o avião presidencial.

Podemos observar que em todos esses casos, ninguém pode ver e tocar o produto, porque estamos falando de vitrines eletrônicas, virtuais: a TV e a Internet. Atitude talvez seja mais “palpável” mesmo que virtualmente, mas a questão dos bens materiais é mais complexa, pois virtualmente é impossível saber o tamanho que isso ocupa, qual é a textura, quantos botões têm, qual barulho faz. Para esses aspectos, a internet é ainda mais cruel, porque, não raro, se lê o famoso aviso: “As cores reais do produto podem diferenciar um pouco de monitor para monitor”, ou seja, nem o desejo visual é saciado. O consumidor está obrigado a adquirir o produto para poder saciar todos os seus desejos.

Para concluir, penso que não existe uma questão de vida ou morte, nem um duelo entre homem e sistema, porque afinal de contas, por trás de todos esses ambientes e posicionamentos também existem pessoas. Pessoas que com relativa certeza sabem mais sobre conceitos e comunicação de massa do que a grande maioria e que tira proveito disso. O fato é que mesmo a mais racional das pessoas eventualmente é fisgada por toda as mensagens que uma vitrine, seja real ou não, e que não aceitar a mudança dos tempos – sabendo viver de maneira pacífica com isso – seria um retrocesso.

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Comments (2)

  1. Icthecat

    Diz ae Cabeça,

    Fantásticas suas colocações, só gostaria levantar uma lebre. Quando você diz que, “não aceitar a mudança dos tempos – sabendo viver de maneira pacífica com isso – seria um retrocesso”, me soa meio aceitar como inevitável a “maldade” desse sistema sem questionamento, pois o que vejo é que a maioria das pessoas con(sobre)vive de forma passiva com isso, ser pacífico não significa não contestar ou tentar mudar essa realidade perversa.

    Só lamúrias de um bicho do mato!!! 😉

  2. medianeira silva

    gostaria de ter o diploma do terceiro ano do segundo grau pois parei no sexto mes do ultimo ano. ja estou com 37 anos e não tenho+++ paciencia para ir na sala de aula

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